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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

ENTRE A "SINFONIA" E "OS SERTÕES": A CIVILIZAÇÃO E A BARBÁRIE

 


"Memorial JK" - Brasília, DF (foto: arq. pessoal)

(Projeto de O. Niemeyer - Escultura de JK por Honório Peçanha)



"Estamos condenados à civilização.
Ou progredimos, ou desaparecemos."
(Euclides da Cunha)


     Lendo mais uma vez o poema da "Sinfonia da Alvorada", do Vinícius de Moraes, as imagens que me foram surgindo, misturadas com a construção de Brasília, foram as de Canudos - descritas por Euclides da Cunha em "Os Sertões".

     Pensando bem, parece-me que essa mistura faz muito sentido, em especial no que se refere à questão da forma.

     O poema da "Sinfonia" é dividido em cinco partes*; "Os Sertões" em três**. 

     No poema, o Vinícius descreveu primeiramente o lugar ("O planalto deserto"):

"(...) No princípio era o agreste: o céu azul, a terra vermelho-pungente e o verde triste do cerrado. Eram antigas solidões banhadas de mansos rios inocentes por entre as matas recortadas. Não havia ninguém. A solidão mais parecia um povo inexistente dizendo coisas sobre nada (...)".
 
     "A Terra" é a primeira parte de "Os Sertões". Ali, o Euclides da Cunha tratou da geologia e da geografia do sertão. Ele descreveu o relevo, a paisagem e a seca. Nessa primeira parte ele desenvolveu a ideia de que já havia ali um prenúncio de revolução; que há milênios o sertão era banhado pelo mar, e que esse sertão era o resultado de um mar extinto pelo solo que se levantara. Que, ainda, o sertão ia virar "praia"; que o homem, com seu trabalho, amenizaria o efeito das secas - conforme profetizava Antônio Conselheiro.  

     Na segunda e terceira partes do poema da "Sinfonia", o Vinícius descreveu o homem e sua chegada no Planalto Central, em "O Homem" e "A Chegada dos Candangos"; em "Os Sertões", na título II, "O Homem", Euclides da Cunha também falou do homem, do sertanejo que lá estava.

"Mas agora viera para ficar. Seus pés plantaram-se na terra vermelha do altiplano. Seu olhar descortinou as grandes extensões sem mágoa no círculo infinito do horizonte. Seu peito encheu-se do ar puro do cerrado. Sim, ele plantaria no deserto uma cidade muito branca e muito pura...", diz o Vinícius no poema da "Sinfonia".

     Já em "O Homem" de "Os Sertões", segunda parte de sua obra, Euclides da Cunha discutiu a formação racial do sertanejo. Comparou o mestiço do sertão com o mulato do litoral, afirmando haver superioridade racial de um sobre o outro. E concluiu: 

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral." 

     E, em outra passagem, diz Euclides da Cunha: 

"(...) o andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente (...)"

     Em "A Luta" - terceira parte de "Os Sertões" - Euclides da Cunha mostrou a resistência e a matança - diferente da luta do homem que constrói uma cidade, e que Vinícius mostrou na quarta parte do poema da "Sinfonia": "O Trabalho e a Construção".

     Assim, no poema da "Sinfonia", a luta em união de esforços ergue, eleva, aproxima, celebra a vida e o trabalho:

"E um milhão de metros cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados, e toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram necessários 60 mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas..." 


("Ou progredimos..." - foto: Brasília, da janela de um prédio - arq. pessoal)


     Em "Os Sertões", em desígnios conflitantes, a luta abate, extingue, destrói:

"Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regulamente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho."

 ("...ou desaparecemos." - foto Igreja destruída em Canudos - em http://www.girafamania.com.br/montagem/fotografia-brasil-guerra-canudos.htm)


     E foi por erguer, diferentemente de destruir, que o poema da "Sinfonia" mereceu ser coroado com uma outra parte - o "Coral" - que é justamente a celebração da beleza resultante da comunhão de esforços construtivos:

"Terra-esperança, promessa de um mundo de paz e de amor (...)" - no poema da "Sinfonia". 

     Desses dois trabalhos, é o próprio Euclides da Cunha, em "Os Sertões", quem nos ensina:

"Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos."


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR A HISTÓRIA DE CANUDOS
NA LETRA DE UM SAMBA-ENREDO)
(Mestre Marçal - "Os Sertões" - Edeor de Paula - samba-enredo
GRES EM CIMA DA HORA - 1976)

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OS SERTÕES

(Edeor de Paula)

Marcado pela própria natureza
O Nordeste do meu Brasil
Oh! solitário sertão
De sofrimento e solidão
A terra é seca
Mal se pode cultivar
Morrem as plantas e foge o ar
A vida é triste nesse lugar

Sertanejo é forte
Supera miséria sem fim
Sertanejo homem forte (bis)
Dizia o Poeta assim

Foi no século passado
No interior da Bahia
O Homem revoltado com a sorte
do mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia

Os Jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos (bis)
Naquela guerra fatal


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* "A Sinfonia da Alvorada":  I - O Planalto Deserto; II - O Homem; III - A Chegada dos Candangos; IV - O Trabalho e a Construção; V - Coral
** "Os Sertões": I - A Terra; II - O Homem; III - A Luta

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

UMA SENHORA VENDE ESPIGAS DE MILHO NO CAMBOJA

 

Em um mercado, no Camboja - Foto: Flávia Ferriani


     Eis-me aqui. Vendo espigas de milho. É o que faço para poder sobreviver. 


CLIQUE NA SETA

"La violetera" - do filme "City Lights" - Charlie Chaplin
https://www.youtube.com/watch?v=JVieXBTm10k


     Te ofereço uma lembrança. Guarde contigo a leitura que fizeste da minha pessoa, em sua foto. Talvez essa leitura possa conversar com o seu próprio coração. Se isso acontecer, estou certa de que vendedoras de milho de seu país terão motivos para te agradecer...

     De alguma forma, pelo vento, pelo ar, ou por qualquer forma de transmissão de energia, eu conseguirei sentir a nobreza de seus gestos... e terei bons motivos para seguir em frente.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

VERDEJANTES TEMPOS

 

Foto: arq. pessoal (Araguari, MG, dez/10)



"olha! que chuva boa prazenteira"
(Tom Jobim)



CLIQUE NA SETA
Tom Jobim - "Chovendo na roseira" (Double Rainbow)
https://www.youtube.com/watch?v=kAzR6jWWNYk


     Ontem, enquanto trafegava por uma rodovia, eu ia observando a paisagem. Lembrava-me de ter passado por ali havia poucas semanas, e que os campos secos, sem vida, judiados pelo calor, haviam apagado minha alegria de ver o sol.

     Entregue às razões da natureza, a terra padecia. Sem fontes para fornecer energia, ela fazia sofrer toda a vegetação.

     Com a chuva dos últimos dias a terra nutriu-se de forças e voltou a respirar: renovou-se de esperanças de poder verdejar.

     Agradecida, a vegetação fez do amarelo queimado a pintura de um verde alegre.

     Toda a vegetação, vagarosamente, vestiu-se de beleza... Inspiradas pelo vento, as folhas das árvores dançavam e acenavam alegremente para a alegria dos meus olhos, e para quem quisesse vê-las...

    Oxalá fossemos também - e sempre - assim: capazes de inspirar, uns aos outros, esperanças de renovação, e de agradecer, com beleza, sem a necessidade de aplausos.