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terça-feira, 15 de dezembro de 2020

VIAGENS DE TREM

 

(CLIQUE PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)

(Toots Thielemans, dele, "Old friend")




"Lá vai o trem com o menino
lá vai a vida a rodar"
(Ferreira Gullar)



     - Olha o trem! gritava o meu tio, da porta de sua loja. 

     Mesmo que não houvesse, das janelas do trem, alguém que se atentasse para isso, minha avó, dos degraus da escada que dava acesso à sua casa, sorrindo, acenava em direção aos vagões.




("O trem obstruindo o trânsito na Rua Dep. João de Faria, em Guará/SP". Postada no facebook por Ademir Segundo)


     E eu, menino,...

... ficava calado na calçada, ao lado dela,
olhando a passagem do trem encher de vida o ritmo monótono da cidade.
 
Sem saber onde queria chegar, 
por lugares distantes viajava,
longe, muito longe de minha casa,
sobre trilhos de aço laminado,
enfrentando tempestades, matas, rios e montanhas, 
impaciente com a morosidade do tempo...

...do tempo que fez de mim o que hoje sou,
sem que eu pudesse me dar conta de sua passagem.



(Estação Mogiana - Guará, SP, 1974 - foto postada no facebook por Luiz Carlos Eufrosino)

sábado, 12 de dezembro de 2020

O PRÉDIO DA ANTIGA ESTAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO, EM ARAGUARI (MG)

 

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"Ponta de Areia" (Milton Nascimento) - Milton Nascimento e Nana Caymmi
https://www.youtube.com/watch?v=Bj86K1SLMDk

     Gosto dos prédios das antigas estações de trem. Eles são referências inspiradoras. Eles guardam histórias que têm sido esquecidas. Destruí-los é jogar fora os alicerces do que hoje somos....

Prédio da Prefeitura Municipal de Araguari, MG
("Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da antiga Estação da Estrada de Ferro Goiás")
foto: arq. pessoal - 2010

     Outro dia fui a Araguari, cidade mineira, que, no passado, foi entroncamento de três importantes ferrovias: a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro (CMEF), a Estrada de Ferro Goiás (EFG), e a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). Ao ver o prédio da antiga estação da EFGoiás, no alto da cidade, lembrei-me do caso dos "Irmãos Naves"*, um dos maiores erros judiciários ocorridos no Brasil, das cenas do filme a respeito desse caso que foram rodadas em uma plataforma de estação de trem; lembrei-me também, e em especial, do Marechal Rondon: foi em Araguari que, em 1900, o então jovem oficial do Exército, Cândido Mariano da Silva Rondon, vindo de trem, do Rio de Janeiro, desembarcou, com a missão de comandar a implantação da linha telegráfica no Estado de Mato Grosso. Foi dali, portanto, de Araguari, que Rondon iniciou a marcha através de Goiás, rumo a um Brasil até então praticamente virgem, com a árdua tarefa de interligar, pelo telégrafo, a costa do País à região Centro-Oeste**.

     Sempre que vou a Araguari e passo em frente à antiga estação da EFGoiás, penso nas histórias que li a respeito do Marechal Rondon. Ao olhar aquele prédio de estação, fico com a sensação fantasiosa de que o Brasil está começando a ser reconstruído; agora, não mais pelo telégrafo, mas pelos exemplos do Rondon e pela disposição, nesse sentido, de todo o povo brasileiro - a começar pelo povo de Araguari.

     Como se não bastasse a restauração do prédio, o carinho que a cidade vem dedicando a ele é exemplar. De volta à cidade, em uma ocasião festiva, o prédio esbanjava beleza... e eu fiquei ali, naquela noite, por mais de hora, parado diante dele, simplesmente contemplando o seu contorno enfeitado de luzes...


"O prédio da antiga Estação da Estrada de Ferro Goiás"
Foto: arq. pessoal (2010)

     O prédio da estação ferroviária da antiga Estrada de Ferro Goiás, em Araguari, é uma fonte de inspiração. Restaurado, ele preserva, em sua beleza e em suas estruturas, histórias do nosso País e de nossos pioneiros - que têm sido esquecidos...

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*"O caso dos Irmãos Naves" (Brasil, 1967. Dir.: Luis Sérgio Person) - filme a respeito de um grave erro judiciário ocorrido na cidade de Araguari/MG, baseado no livro de João Alamy Filho ("O Caso dos Irmãos Naves: o erro judiciário de Araguari. São Paulo, Círculo do Livro)
**Para saber mais sobre o Rondon, ótimo livro a ser lido: "Rondon: o marechal da floresta" / por Todd A. Diacon: tradução Laura Teixeira Motta; coordenação Élio Gaspari e Lília M. Schwarcz - São Paulo: Companhia das Letras, 2006 (Coleção "Perfis Brasileiros")

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A MINHA MANGUEIRA



 "Mangueira" - Foto: arq. pessoal



"Quando vejo uma luz que ninguém vê

E me sinto só, não sei por quê

Corro, vou pelo campo procurar

Lá tenho um amigo pra contar (...)"

(Paulinho Nogueira)


CLIQUE NA SETA

Paulinho Nogueira - "O pequeno amigo"

https://www.youtube.com/watch?v=YOCmmft5TQI


 

Foi no quintal de nossa casa que ela quis morar.

Fez sombras, ficou forte, deu frutos, cresceu: cresci com ela.

Testemunhou, por muitos anos, o caldeirão com leite em cima do muro:

Presente diário do fazendeiro-amigo, vizinho de fundo.


Contente com tão boa vizinhança, a mangueira buscou o céu,

Cresceu mais, fez mais sombras, deu mais frutos, deu pouso a pássaros.

Acompanhou a família nas festas e reuniões

Que aconteciam no fundo do quintal.


O tempo passou; nosso vizinho se foi, novos vizinhos vieram.

Feito braços de boas-vindas,

nossa mangueira estendeu seus galhos, cruzou o muro.

Passou a presentear o novo morador com suas folhas e seus frutos.


Avessa à demarcação de limites,

a mangueira ainda prolongou suas raízes por baixo do muro,

manifestou seu desejo de promover boa vizinhança,

e anunciou que fronteiras não devem imperar entre bons confrontantes.


Os novos vizinhos, incapazes de entender o significado de tais gestos,

Instalaram no muro cercas de arame eletrificado.

Tocadas pelas folhas e pelos frutos da mangueira,

um alarme passou a soar escandalosamente em ouvidos vigilantes.


Partindo do outro lado do muro, a queixa e o pedido logo chegaram:

"Frondosa e alta, a mangueira incomoda;

Suas folhas e seus frutos esbarram no arame,

fazem disparar o alarme: eliminá-la é a solução."

 

Infrutíferas as negociações, o quintal ficou triste:

Sem a árvore, sem as sombras, sem os frutos, sem os pássaros.

Sobre o muro, fios enrolados exaltam campos de concentração -e seus idealizadores:

Mas a minha mangueira, indestrutível, permanece comigo.