Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
O cinema é uma das formas de expressão artística que tem o poder e a magia de despertar diferentes sensações. Para isso, o gênero ou estilo de filme contam muito.
O filme noir é um desses "gêneros" - ou, discute-se, não de "gênero", mas de "estilo", pois muitos entendem tratar-se de uma maneira de lidar com a imagem. O filme noir, em geral, trabalha com suspenses psicológicos que adentram a personalidade humana. Nesse "gênero" (chamemos assim), ninguém é santo: todos são, em algum momento, suspeitos. Diferente do maniqueísmo que era filmado até então, quando se identificava muito bem quem era o bandido e quem era o mocinho, no filme noir mulheres já são tratadas sem aquele perfil exclusivo de ingenuidade; os vilões às vezes nem são tão maus; e detetives já não são tão confiáveis quanto deveriam ser. Em geral, os traços marcantes do filme noir são as sombras, os ângulos de filmagem, cenas com fumaça e neblina - e eu acrescentaria, ainda, que a música também exerce um papel fundamental, pois cria todo um clima de mistério e suspense. Casacão, chapéu e cigarro, com histórias ligadas ao chamado "whodunit", ou seja, que descrevem investigação, com assassinato, são elementos que compõem os filmes noir. Neles,há quase sempre um indivíduo com muitas manias - em geral é o detetive, com falas fortes e absolutas. Há ainda muita narração em off, que reflete a necessária economia do número de cenas para a época; vejo, inclusive, um certo machismo no filme noir... se bem que a mulher já aparece mudando o seu perfil social nesse período: ela carrega ainda uma certa fragilidade, porém começa a ser vista como autora de gestos nem sempre nobres, muitas vezes falível, elaborando tramas e buscando atingir intentos de uma forma nem sempre muito ética.
O filme noir teve sua fase áurea de 1941 a 1958, nos Estados Unidos. Foram realizados, no "gênero" noir, dentre muitos outros, os seguintes filmes: "O falcão maltês" (Relíquia macabra) - (1941), dirigido por John Huston; "Pacto de sangue" (1944), "Farrapo humano" (1945), e "Crepúsculo dos deuses" (1950), dirigidos por Billy Wilder; "Laura" - (1944), por Otto Preminger; "Gilda" (1946), por Charles Vidor; "A dama de Shangai" (1948), por Orson Welles.
Humphrey Bogart ("Relíquia macabra"), Rita Hayworth ("Gilda", "A dama de Shangai"), Dana Andrews ("Laura"), Glenn Ford ("Gilda"), Barbara Stanwyck ("Pacto de sangue"), Lauren Bacall (À beira do abismo"), são alguns dos atores e atrizes associados ao filme noir.
Apesar de serem muito pobres em locações e cenários, de mostrarem cenas "forçadas", tais como aquelas em que, exemplificativamente, detetives aparecem no apartamento de qualquer suspeito, sem qualquer anúncio prévio, para interrogá-lo sempre que assim desejam, gosto dos filmes noir... Acho especialmente interessantes os seus títulos, tão fortes e macabros que, só de me deparar com eles, já sinto um certo arrepio: "A curva do destino", "Alma torturada", "O homem dos olhos esbugalhados", "Assassinos", "O beijo da morte"...
"It's [never] too late" para falar da Carole King, do James Taylor e da Carly Simon - e do Paul Simon e do Cat Stevens, acrescento. "It's [never] too late" para me reorganizar e poder ouvir minhas playlists, com uma série de gravações marcantes que foram feitas por eles.
Carole King - "So far away" (Carole King) - do LP "Tapestry" (Epic, 1971)
https://www.youtube.com/watch?v=UofYl3dataU
O meu amigo "Big Boy", que, de tão romântico, acho que morreu de amores (por tudo e por todos), era proprietário de um fusca vermelho, ao qual apelidamos "tocha".
Nos finais das tardes de sábado o Big Boy estacionava o "tocha" na calçada do Bar do Vicente, na esquina da rua principal da nossa querida e minúscula cidade, e ali nós nos juntávamos em grupo de amigos, na calçada ao redor de uma mesa posta. E com as portas do "tocha" abertas, o Big Boy colocava para tocar uma fita k7 com as nossas gravações prediletas: "Wild world", "High out of time", "Tapestry", "That's the way I've always heard it should be", "Carolina on my mind", "Nobody does it better", "I haven't got time for the pain", "So far away"... "It's gonna take some time", "Embrace me, you child", "It's too late"... E de lá, da calçada do nosso fim de mundo, debaixo de uma árvore e das estrelas do céu, cantávamos e brindávamos com nossos queridos ídolos sem que eles, de algum lugar no mundo, tivessem conhecimento da maneira carinhosa que estavam sendo celebrados e que tocavam os nossos corações.
E nesse ambiente de música, conversa e bebida, como se já não houvesse comentado anteriormente inúmeras vezes, o Big Boy "filosofava":
- "Só de ouvir a voz da Carole King eu já tenho vontade de ir não sei pra onde.
E completava:
- "Vicente, traga mais cerveja aqui pra mesa... e, pra mim, mais um uísque caubói".
Com o pedido feito ao Vicente ele se levantava e entrava no "tocha", justificando sua movimentação:
- "Vou aumentar o som. Quem sabe, de algum lugar por aí, essa danada me escuta".
E a Carole King cantava:
- "So far away/ doesn't anybody stay in one place anymore/ it would be so fine to see/ your face at my door..."
E eu, perdido em meus pensamentos, ficava imaginando a Carole King sorrindo, atenta a cada comentário que íamos fazendo...
Os mariachis são grupos que cantam música folclórica mexicana. São alegres e muito sorridentes. Foram formados, inicialmente, para animar festas de casamento - por isso a origem da palavra: do francês "mariage", que significa "casamento". Dentre as músicas folclóricas mexicanas, gosto, especialmente, de Las Mañanitas - uma música que costumava ser cantada no México, nas festas de aniversário, no momento de se cortar o bolo - mas também logo de manhã, em forma de serenata, para aquele ou aquela que aniversariava.
Las Mañanitas - Mariachi Conce - (Vicente Fernàndez)
https://www.youtube.com/watch?v=BPgmyhHvkFs
Las Mañanitas
Estas son las mañanitas
Que cantaba el rey David
Hoy por ser día de tu santo
Te las cantamos aqui
Despierta, mi bien, despierta
Mira que ya amaneció
Ya los pajaritos cantan
La luna ya se metió
Qué linda está la mañana
En que vengo a saludarte
Venimos todos con gusto
Y placer a felicitarte
El día en que tú naciste
Nacieron todas las flores
En la pila del bautizo
Cantaron los Ruiseñores
Ya viene amaneciendo
Ya la luz del día nos dio
Levántate de mañana
Mira que ya amaneció
Si yo pudiera bajarte
Las estrellas y un lucero
Para poder demostrarte
Lo mucho que yo te quiero
Con jazmines y flores
Este día quiero adornar
Hoy por ser día de tu santo
Te venimos a cantar
As Manhãs
Estas são as manhãs
Que o rei Davi cantava
Hoje por ser dia do teu santo
Cantamos para ti
Acorda, meu bem, acorda
Olha que já amanheceu
Já os passarinhos cantam
A lua já entrou
Que linda esta manhã
Em que vim cumprimentar te
Viemos todos com prazer
E prazer em parabenizá-lo
O dia em que nasceste
Todas as flores nasceram
Na local onde está o batistério
Cantaram os rouxinóis
Já vem amanhecendo
Já a luz do dia nós dia
Levanta-te de manhã
Olha que já amanheceu
Se eu pudesse descer
As estrelas, e uma estrela
Para te poder provar
O quanto te amo
Com jasmins e flores
Este dia eu quero enfeitar
Hoje por ser dia do teu santo
Viemos cantar
Na letra de Las Mañanitas, há uma palavra que sempre cantei sem saber o seu significado. Mas hoje, especialmente, ao enviar meus cumprimentos de aniversário a um amigo que vive no México, encaminhei a ele, como ilustração, um vídeo de uma gravação de Las Mañanitas. E dessa vez bateu forte a vontade de conhecer a tal palavra.
A tal palavra está na quarta estrofe da canção. Nela o autor diz que, "no dia em que o aniversariante nasceu, todas as flores nasceram; que, no batistério, os 'ruiseñores' cantaram". Mas... "ruiseñores"... o que significa? Foi justamente ela que me levou a fazer uma pesquisa. Quem seriam esses "señores" que foram cantar no batistério? Seria um grupo de senhores chamados, todos eles, Rui? Não, não poderia ser. Isso seria uma tremenda bobagem!
No dicionário da Real Academia Espanhola, encontrei a seguinte explicação:
Ruiseñor - m. Ave canora del orden de las paseriformes, común en España y otras partes de Europa, de unos 16 cm de largo, con plumaje de color pardo rojizo, más oscuro en el lomo y la cabez que en la cola y el pecho, y gris claro en el vientre, que tiene pico fino, parduzco, y tarsos delgados y largos, y habita el las arboledas y lugares frescos y sombrios.
Como meus conhecimentos de ornitologia são mínimos, não consegui entender a explicação. Compreendi, no entanto, que tratava-se de uma ave. Mas... "uma ave comum na Espanha, de uns 16 centímetros, com plumagem da cor parda, mais escuro no dorso e na cabeça do que na cauda e no peito, e acinzentado no ventre, que tem bico fino, acastanhado, e as partes superiores do pé (tarso) delgadas e largas, e habita os bosques e lugares frescos e sombrios".
- Que ave seria essa? Você, meu caro leitor, saberia me dizer?
Bom, para ser mais direto, resolvi apelar para o dicionário Espanhol - Português:
"Ruiseñor (m.) - rouxinol".
Feliz com a descoberta, quase caí de costas de tanto rir da imagem que havia construído, ao pensar em uma porção de senhores sérios, todos eles chamados "Rui", cantando no batistério, no dia do ritual de purificação do aniversariante.
Pois é: "ruiseñores" significa "rouxinóis". Simples assim! E que bela descrição foi feita no dicionário da Real Academia Espanhola! Ao conhecer agora essa palavra da língua espanhola, senti a ressurreição imediata, aqui no meu local de trabalho, de um rouxinol que conviveu comigo na sala de visitas da casa de meus pais, por muitos e muitos anos. Esse rouxinol era amigo do imperador da China, morava nas páginas de um livro de contos de fadas do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, e também na narrativa gravada, desse mesmo conto, em um disco de vinil colorido que eu ouvia incansavelmente: "O Rouxinol do Imperador".
- E assim, juntando a pena do Milton Nascimento, vou agora convivendo com todos os meus rouxinóis: "Rouxinol tomou conta do meu viver (...) /Todos os pássaros, anjos dentro de nós/ uma harmonia trazida dos rouxinóis"*.
O Rouxinol do Imperador
https://www.youtube.com/watch?v=l8DzHrzMjFs
Adaptação e melodias: Elza Fiúza; Orquestração de Radamés Gnattali; Narradora: Sônia Barreto; Elenco Teatro Disquinho; ilustração: Joselito
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*início e refrão da canção "Rouxinóis" (Milton Nascimento), de seu álbum "Nascimento" (Warner, 1997)