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sábado, 30 de março de 2024

O FILME "NOIR"



Foto (fonte): https://7marte.com/2019/09/o-que-e-filme-noir.html

    O cinema é uma das formas de expressão artística que tem o poder e a magia de despertar diferentes sensações. Para isso, o gênero ou estilo de filme contam muito.

    O filme noir é um desses "gêneros" - ou, discute-se, não de "gênero", mas de "estilo", pois muitos entendem tratar-se de uma maneira de lidar com a imagem. O filme noir, em geral, trabalha com suspenses psicológicos que adentram a personalidade humana. Nesse "gênero" (chamemos assim), ninguém é santo: todos são, em algum momento, suspeitos. Diferente do maniqueísmo que era filmado até então, quando se identificava muito bem quem era o bandido e quem era o mocinho, no filme noir mulheres já são tratadas sem aquele perfil exclusivo de ingenuidade; os vilões às vezes nem são tão maus; e detetives já não são tão confiáveis quanto deveriam ser. Em geral, os traços marcantes do filme noir são as sombras, os ângulos de filmagem, cenas com fumaça e neblina - e eu acrescentaria, ainda, que a música também exerce um papel fundamental, pois cria todo um clima de mistério e suspense. Casacão, chapéu e cigarro, com histórias ligadas ao chamado "whodunit", ou seja, que descrevem investigação, com assassinato, são elementos que compõem os filmes noir. Neles, há quase sempre um indivíduo com muitas manias - em geral é o detetive, com falas fortes e absolutas. Há ainda muita narração em off, que reflete a necessária economia do número de cenas para a época; vejo, inclusive, um certo machismo no filme noir... se bem que a mulher já aparece mudando o seu perfil social nesse período: ela carrega ainda uma certa fragilidade, porém começa a ser vista como autora de gestos nem sempre nobres, muitas vezes falível, elaborando tramas e buscando atingir intentos de uma forma nem sempre muito ética.

    O filme noir teve sua fase áurea  de 1941 a 1958, nos Estados Unidos. Foram realizados, no "gênero" noir, dentre muitos outros, os seguintes filmes: "O falcão maltês" (Relíquia macabra) - (1941), dirigido por John Huston; "Pacto de sangue" (1944), "Farrapo humano" (1945), e "Crepúsculo dos deuses" (1950), dirigidos por Billy Wilder; "Laura" - (1944), por Otto Preminger;  "Gilda" (1946), por Charles Vidor; "A dama de Shangai" (1948), por Orson Welles.

    Humphrey Bogart ("Relíquia macabra"), Rita Hayworth ("Gilda", "A dama de Shangai"), Dana Andrews ("Laura"), Glenn Ford ("Gilda"), Barbara Stanwyck ("Pacto de sangue"), Lauren Bacall (À beira do abismo"), são alguns dos atores e atrizes associados ao filme noir

    Apesar de serem muito pobres em locações e cenários, de mostrarem cenas "forçadas", tais como aquelas em que, exemplificativamente, detetives aparecem no apartamento de qualquer suspeito, sem qualquer anúncio prévio, para interrogá-lo sempre que assim desejam, gosto dos filmes noir... Acho especialmente interessantes os seus títulos, tão fortes e macabros que, só de me deparar com eles, já sinto um certo arrepio: "A curva do destino", "Alma torturada", "O homem dos olhos esbugalhados", "Assassinos", "O beijo da morte"...


sábado, 23 de março de 2024

A CAROLE KING E O "TOCHA"

 


    "It's [never] too late" para falar da Carole King, do James Taylor e da Carly Simon - e do Paul Simon e do Cat Stevens, acrescento. "It's [never] too late" para me reorganizar e poder ouvir minhas playlists, com uma série de gravações marcantes que foram feitas por eles.

Carole King - "So far away" (Carole King) - do LP "Tapestry" (Epic, 1971)
https://www.youtube.com/watch?v=UofYl3dataU

    O meu amigo "Big Boy", que, de tão romântico, acho que morreu de amores (por tudo e por todos), era proprietário de um fusca vermelho, ao qual apelidamos "tocha".

Fusca vermelho
https://lartbr.com.br/carros-antigos/21636-fuscao-fuscavermelhorubi-fuscaovermelho/

    Nos finais das tardes de sábado o Big Boy estacionava o "tocha" na calçada do Bar do Vicente, na esquina da rua principal da nossa querida e minúscula cidade, e ali nós nos juntávamos em grupo de amigos, na calçada ao redor de uma mesa posta. E com as portas do "tocha" abertas, o Big Boy colocava para tocar uma fita k7 com as nossas gravações prediletas: "Wild world", "High out of time", "Tapestry", "That's the way I've always heard it should be", "Carolina on my mind", "Nobody does it better", "I haven't got time for the pain", "So far away"... "It's gonna take some time", "Embrace me, you child", "It's too late"... E de lá, da calçada do nosso fim de mundo, debaixo de uma árvore e das estrelas do céu,  cantávamos e brindávamos com nossos queridos ídolos sem que eles, de algum lugar no mundo, tivessem conhecimento da maneira carinhosa que estavam sendo celebrados e que tocavam os nossos corações.

    E nesse ambiente de música, conversa e bebida, como se já não houvesse comentado anteriormente inúmeras vezes, o Big Boy "filosofava":

    - "Só de ouvir a voz da Carole King eu já tenho vontade de ir não sei pra onde.

    E completava:

    - "Vicente, traga mais cerveja aqui pra mesa... e, pra mim, mais um uísque caubói".

    Com o pedido feito ao Vicente ele se levantava e entrava no "tocha", justificando sua movimentação:

    - "Vou aumentar o som. Quem sabe, de algum lugar por aí, essa danada me escuta".

    E a Carole King cantava:

     - "So far away/ doesn't anybody stay in one place anymore/ it would be so fine to see/ your face at my door...

    E eu, perdido em meus pensamentos, ficava imaginando a Carole King sorrindo, atenta a cada comentário que íamos fazendo...


terça-feira, 5 de março de 2024

OS "RUISEÑORES" PASSARAM POR AQUI

 

    Os mariachis são grupos que cantam música folclórica mexicana. São alegres e muito sorridentes. Foram formados, inicialmente, para animar festas de casamento - por isso a origem da palavra: do francês "mariage", que significa "casamento". Dentre as músicas folclóricas mexicanas, gosto, especialmente, de Las Mañanitas - uma música que costumava ser cantada no México, nas festas de aniversário, no momento de se cortar o bolo - mas também logo de manhã, em forma de serenata, para aquele ou aquela que aniversariava.

Las Mañanitas - Mariachi Conce - (Vicente Fernàndez)
https://www.youtube.com/watch?v=BPgmyhHvkFs

Las Mañanitas

 

Estas son las mañanitas

Que cantaba el rey David

Hoy por ser día de tu santo

Te las cantamos aqui

 

Despierta, mi bien, despierta

Mira que ya amaneció

Ya los pajaritos cantan

La luna ya se metió

 

Qué linda está la mañana

En que vengo a saludarte

Venimos todos con gusto

Y placer a felicitarte

 

El día en que tú naciste

Nacieron todas las flores

En la pila del bautizo

Cantaron los Ruiseñores

 

Ya viene amaneciendo

Ya la luz del día nos dio

Levántate de mañana

Mira que ya amaneció

 

Si yo pudiera bajarte

Las estrellas y un lucero

Para poder demostrarte

Lo mucho que yo te quiero

 

Con jazmines y flores

Este día quiero adornar

Hoy por ser día de tu santo

Te venimos a cantar

As Manhãs

 

Estas são as manhãs

Que o rei Davi cantava

Hoje por ser dia do teu santo

Cantamos para ti

 

Acorda, meu bem, acorda

Olha que já amanheceu

Já os passarinhos cantam

A lua já entrou

 

Que linda esta manhã

Em que vim cumprimentar te

Viemos todos com prazer

E prazer em parabenizá-lo

 

O dia em que nasceste

Todas as flores nasceram

Na local onde está o batistério

Cantaram os rouxinóis

 

Já vem amanhecendo

Já a luz do dia nós dia

Levanta-te de manhã

Olha que já amanheceu

 

Se eu pudesse descer

As estrelas, e uma estrela

Para te poder provar

O quanto te amo

 

Com jasmins e flores

Este dia eu quero enfeitar

Hoje por ser dia do teu santo

Viemos cantar

    Na letra de Las Mañanitas, há uma palavra que sempre cantei sem saber o seu significado. Mas hoje, especialmente, ao enviar meus cumprimentos de aniversário a um amigo que vive no México, encaminhei a ele, como ilustração, um vídeo de uma gravação de Las Mañanitas. E dessa vez bateu forte a vontade de conhecer a tal palavra.

    A tal palavra está na quarta estrofe da canção. Nela o autor diz que, "no dia em que o aniversariante nasceu, todas as flores nasceram; que, no batistério, os 'ruiseñores' cantaram". Mas... "ruiseñores"... o que significa? Foi justamente ela que me levou a fazer uma pesquisa. Quem seriam esses "señores" que foram cantar no batistério? Seria um grupo de senhores chamados, todos eles, Rui? Não, não poderia ser. Isso seria uma tremenda bobagem!

    No dicionário da Real Academia Espanhola, encontrei a seguinte explicação:

Ruiseñor - m. Ave canora del orden de las paseriformes, común en España y otras partes de Europa, de unos 16 cm de largo, con plumaje de color pardo rojizo, más oscuro en el lomo y la cabez que en la cola y el pecho, y gris claro en el vientre, que tiene pico fino, parduzco, y tarsos delgados y largos, y habita el las arboledas y lugares frescos y sombrios.

    Como meus conhecimentos de ornitologia são mínimos, não consegui entender a explicação. Compreendi, no entanto, que tratava-se de uma ave. Mas... "uma ave comum na Espanha, de uns 16 centímetros, com plumagem da cor parda, mais escuro no dorso e na cabeça do que na cauda e no peito, e acinzentado no ventre, que tem bico fino, acastanhado, e as partes superiores do pé (tarso) delgadas e largas, e habita os bosques e lugares frescos e sombrios".

    - Que ave seria essa? Você, meu caro leitor, saberia me dizer?

    Bom, para ser mais direto, resolvi apelar para o dicionário Espanhol - Português:

    "Ruiseñor (m.) - rouxinol". 

    Feliz com a descoberta, quase caí de costas de tanto rir da imagem que havia construído, ao pensar em uma porção de senhores sérios, todos eles chamados "Rui", cantando no batistério, no dia do ritual de purificação do aniversariante.

    Pois é: "ruiseñores" significa "rouxinóis". Simples assim! E que bela descrição foi feita no dicionário da Real Academia Espanhola! Ao conhecer agora  essa palavra da língua espanhola, senti a ressurreição imediata, aqui no meu local de trabalho, de um rouxinol que conviveu comigo na sala de visitas da casa de meus pais, por muitos e muitos anos. Esse rouxinol era amigo do imperador da China, morava nas páginas de um livro de contos de fadas do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, e também na narrativa gravada, desse mesmo conto, em um disco de vinil colorido que eu ouvia incansavelmente: "O Rouxinol do Imperador".

    - E assim, juntando a pena do Milton Nascimento, vou agora convivendo com todos os meus rouxinóis: "Rouxinol tomou conta do meu viver (...) / Todos os pássaros, anjos dentro de nós/ uma harmonia trazida dos rouxinóis"*. 

O Rouxinol do Imperador
https://www.youtube.com/watch?v=l8DzHrzMjFs
Adaptação e melodias: Elza Fiúza; Orquestração de Radamés Gnattali; Narradora: Sônia Barreto; Elenco Teatro Disquinho; ilustração: Joselito
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*início e refrão da canção "Rouxinóis" (Milton Nascimento), de seu álbum "Nascimento" (Warner, 1997)