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sábado, 30 de janeiro de 2021

QUANTO VALE UM LUAR?

 


"A lua de Ribeirão Preto" (arq. pessoal)


"Ó lua branca, por quem és?

tem dó de mim"

(Chiquinha Gonzaga)



    Na noite de ontem, da sacada do apartamento onde moro, fotografei a lua.


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Verônica Sabino - "Lua branca" (Chiquinha Gonzaga)

https://www.youtube.com/watch?v=_UGDqMYjAT8


A foto ficou tão bonita que, com o título de "A lua de Ribeirão Preto", logo a encaminhei para um grupo de familiares no whatsapp. Poucos minutos se passaram e, logo em seguida, alguns membros do grupo, espontaneamente, começaram a postar fotos da lua vista dos respectivos locais onde se encontravam. Assim, a mesma lua de Ribeirão Preto foi  contemplada e fotografada em São Paulo, capital, Guará (SP), Uberlândia (MG), Araguari (MG), Catalão (GO), e outras mais. Todas elas, e cada uma delas, iluminando muitos caminhos, e reforçando o carinho e a consideração que temos, no grupo, uns pelos outros. 

    Curiosamente, e coincidentemente, logo após ter recebido as fotos de meus familiares, recebi de meu amigo Celso, um brilhante escritor, para comentários via whatsapp, a seguinte poesia que ele havia terminado de escrever:


APREÇO AO LUAR

(Celso Lopes)


Quanto vale um luar,

que insinua o amor...

Se alguém quer comprar,

perdão, traga antes...

o sonho de todos os amantes...


Quanto vale um luar,

tremulando em paixão...

Se alguém quer levar,

que se atire bem fundo

e revele a alma do mundo.


Quanto vale um luar,

que há de sempre ficar...

ser meu barco de sonhos,

ser meu cais pra pousar.


Quanto vale um luar,

quando se olha do mar...

sentindo dentro do peito

uma chama se espalhar


Quanto vale um luar...

que nos cega o olhar,

e nos arrasta ao desejo

que soma amor e amar.


Quanto vale um luar...

Quanto vale um luar...


    Sensibilizado com a sequência de postagens e a poesia recebida, e sentindo-me cercado por tantas visões da lua e por tantos luares de união, recebi a poesia como uma bela ilustração para todas as fotos da lua que haviam sido postadas no grupo. De imediato reencontrei, em meu pensamento, muitas das luas e dos luares que sempre me acompanharam ao longo da vida: 

- as luas de Catulo da Paixão Cearense: uma delas que, branquejando folhas secas pelo chão, iluminou o sertão (1); a outra que, iluminando um casal de namorados, inspirou neles a necessidade da descoberta do valor contido em uma paixão (2)

- a lua de Freire Júnior que, surgindo cor de prata, inspirou um cantor a chamar por sua amada (3); 

- o luar de Paulo Mirando que, visto como um sonho banhado em luz, levou sentimentos de liberdade e saudade a um presidiário (4);

- as diversas luas de Caetano Veloso: uma delas que, deslumbrante e verdejante, permanece solta na amplidão (5); outra que, enfeitando o anel de uma jovem, trouxe-lhe saudade (6); uma terceira lua que, por um momento, fez com que ele compactuasse com ela o seu canto (7); e uma quarta lua que, tímida, oculta na neblina, ainda assim pôde ser vista por ele (8);

- a lua de Dora Vasconcellos e Villa Lobos que, derramando doçura enquanto dormia na noite escura, levou um rapaz enamorado a convidar a sua amada para observá-la (9);

- a lua de Renato Rocha que, rodando, atravessa todas as suas fases: nova, crescente, cheia e minguante (10);

- a lua de Chiquinha Gonzaga que, dando abrigo ao amor, ouve o pedido que ela lhe faz para que retire o pranto de seus olhos (11);

- a lua de Cândido das Neves que, solidária com a tristeza, rondava a natureza e solidarizava-se com um cantor que havia perdido a sua amada (12);

- a lua de Nando Carneiro e Geraldo Carneiro que, prestes a esconder-se por trás de um edifício, poderia inspirar alguém, que muito sofria, a contar ao seu namorado o motivo de tal sofrimento (13);

- a lua do Tom, do formidável Tom Jobim, que navegava o azul do firmamento, e  sob a qual um trovador fez uma canção para se esquecer de seu amor de aprendiz por uma tal Luíza (14).

    Lembro-me ainda que a lua e o seu luar, um dia, serviram como elo de ligação entre um amigo meu e a sua namorada. O casal, tendo que passar alguns meses distantes um do outro, combinou que deveriam olhar em direção à lua, todas as noites, em um mesmo horário, para que assim, permanecessem unidos em pensamento.

    É por todo esse valor que essa lua, branca, solitária e silente, cercada de astros no espaço sideral, precisa ser celebrada pelos que a contemplam daqui da Terra. 

    A se pensar em nosso apreço pelo lua, fico me perguntando se há algum preço que possa ser pago pelo luar: quanto vale? tem preço? Inspirando assim tanto canto, tanta poesia, e tanta aproximação entre pessoas, não creio que ele possa ser negociado. O luar parece vir dos olhos e do coração daqueles que observam e enxergam além. Mesmo nas noites mais escuras há um luar que, lá de cima, ilumina um colchão de nuvens suspenso no céu, promovendo uma certa paz para os amantes da lua... Por todo esse encanto e por toda essa chama de beleza, não há dinheiro algum que possa alcançar o valor de um luar.

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(1) "Luar do sertão" (Catulo da Paixão Cearense / João Pernambuco)

(2) "Ontem ao luar" (Catulo da Paixão Cearense)

(3) "Malandrinha" (Freire Júnior)

(4) "Luar de Vila Sônia" (Paulo Mirando)

(5) "Lua de São Jorge" (Caetano Veloso)

(6) "Lua e estrela" (Caetano Veloso)

(7) "Lua, lua, lua" - (Caetano Veloso)

(8) "Shy moon" (Caetano Veloso) 

(9) "Melodia Sentimental" (Villa Lobos / Dora Vasconcelos)

(10) "A lua" (Renato Rocha)

(11) "Lua branca" (Chiquinha Gonzaga)

(12) "Última Estrofe" (Cândido das Neves)

(13) "Olha a lua" (Nando Carneiro e Geraldo Carneiro)

(14) "Luíza" (Tom Jobim)

domingo, 24 de janeiro de 2021

MIDNIGHT COWBOY


Midnight Cowboy
Cartaz publicitário - "Midnight Cowboy"


     Midnight Cowboy* (no Brasil,  com o título "Perdidos na Noite") foi lançado em 1969. O filme, premiado com o Oscar no ano de 1970, mostra o sonho que tem Joe Buck, um texano do interior do Estado, de ser bem sucedido em uma cidade grande.


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Midnight Cowboy - Harry Nilsson - Everybody's talkin'
Fonte: youtube  https://www.youtube.com/watch?v=5zHVFXorF38


     Em Nova Iorque, cidade na qual ele se instala, Joe Buck se depara com a solidão das pessoas, a inexistência de cumplicidade afetiva entre os seus moradores, e, especialmente, com a pobreza que lá também havia. É interessante notarmos que essas constatações e esses enfrentamentos não são localizados, mas universais. Nos Estados Unidos, assim como em todos os países de qualquer continente, há o submundo, há os invisíveis, há os fracassados. O mesmo país que, em 1969, mostrava na TV a conquista da lua, mostrava também, nas telas dos cinemas, um homem vestido de cowboy, deambulando pelas ruas de Nova Iorque, acreditando que poderia sobreviver como garoto de programa. Mas o tempo foi mostrando ao interiorano que a vida na cidade grande não era tão fácil e acolhedora quanto ele imaginava.

     Depois de rever o filme, fiquei com a impressão de que tanto para as cidades grandes e desumanas quanto para as cidades pequenas e aparentemente solidárias a situação é a mesma: se em "Everybody's talkin'", uma das canções da trilha sonora de Midnight Cowboy, o autor diz que "todos estavam dirigindo a palavra a ele, mas ele ouvia apenas os ecos de sua própria mente", percebo que essa forma de conversar é uma característica existente nas relações do nosso tempo. Ao que me parece, assim como fazia Joe Buck, e assim como faziam os que dirigiam a palavra a ele pelas ruas de Nova Iorque, em Midnight Cowboy, os pretensos diálogos de nosso tempo, travados pelas ruas, calçadas e linhas de comunicação, excluídos os estritamente comerciais, têm se prestado unicamente a traduzir os pedidos de atenção, ajuda e carinho que fazemos uns aos outros.


Everybody's Talkin'
(Fred Neil)

Everybody's talking at me
I don't hear a word they're saying
Only the echoes of my mind

People stopping staring
I can't see their faces
Only the shadows of their eyes

I'm going where the sun keeps shining
Thru' the pouring rain
Going where the weather suits my clothes

Backing off of the North East wind
Sailing on summer breeze
And skipping over the ocean like a stone

Everybody's talking at me
I can't hear a word they're saying
Only the echoes of my mind

I won't let you leave my love behind
No, I won't let you leave…
Won't… ah-haaaa!...
I won't let you leave my love behind
Todo Mundo Falando


Todo mundo está falando comigo
Eu não ouço nenhuma das palavras que estão dizendo
Apenas os ecos da minha mente

Pessoas paradas olhando
Eu não consigo ver seus rostos
Somente as sombras dos seus olhos

Eu estou indo onde o sol continua brilhando
Através da chuva torrencial
Indo onde o tempo se adapte às minhas roupas

Recuando do vento Nordeste
Navegando na brisa de verão
E saltando sobre o oceano como uma pedra

Todo mundo falando comigo
Eu não nenhuma das palavras que estão dizendo
Apenas os ecos da minha mente
Apenas os ecos da minha mente

Não vou deixar que você deixe o meu amor pra trás
Não, eu não vou deixar você sair ...
Não ... ah-haaaa! ...
Não vou deixar que você deixe o meu amor pra trás ...

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*"Midnight Cowboy" (Perdidos na Noite) - EUA, 1969. Dir.: John Schlesinger