Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ Céu - "Seule" (Pixinguinha/Vinicius de Moraes)
"Cante uma canção para me iludir"
(da letra de "Seule")
"Seule" é uma valsa que está na trilha sonora de um filme nacional muito pouco conhecido: "Sol sobre a lama". Produzido na Bahia em 1963, o filme mostra uma tentativa de preservação de um canal que dá acesso a uma feira na cidade de Salvador - a Feira de Água de Meninos*. Ao mesmo tempo retrata a sociedade baiana e seus interesses no final dos anos 50 e início dos anos 60.
Para fazer a trilha sonora, o seu diretor Alex Viany** convidou Pixinguinha e Vinícius de Moraes. Pixinguinha, sozinho, compôs diversas músicas para o filme, fez os arranjos, e dirigiu a gravação. Vinícius de Moraes, por sua vez, colocou letra em cinco delas: "Iemanjá", "Samba fúnebre", "Mundo melhor", "Lamento", e "Seule" - uma valsa, com letra em francês.
Em carta*** a Vinícius, Alex Viany conta que um dia, passeando pela Feira de Água de Meninos, ouviu, vindo de um barraco miserável, uma sensível e sofisticada cancão francesa. Muito provavelmente - conjecturo eu - por parecer tão improvável o estado de miserabilidade encontrar expressão na delicadeza de uma canção, o Alex Viany relatou ao Vinícius e ao Pixinguinha aquele momento que havia vivenciado. E da sensibilidade apurada dos autores nasceu "Seule" - uma dulcíssima e ao mesmo tempo triste valsa.
"Depressão" - autor: HRubiales - pintura acrílica sobre tela
fonte: http://hroficinadeartes.blogspot.com.br/
Sempre que a ouço sinto uma melancolia danada. Sua letra me faz pensar nas mulheres humilhadas, usadas, oprimidas, de que temos notícia todos os dias e que se espalham por esse mundão de meu Deus; sua letra me leva a pensar nas mulheres maltratadas pela vida, sem pais, sem filhos, sem ninguém, mas que, pelo simples fato de serem mulheres e, nessa condição, depositárias de todo amor da humanidade, ainda nutrem a ilusão de encontrar alguém que as faça sorrir e se sentirem amadas.
Seule
Seule, seule
Seule même dans tes bras
Seule la nuit
Seule le jour
Rêvant un grand amour
Qui ne vient pas
Chante une chanson pour me bercer
Fais-mois, je t'en prie, tout oublier
Embrasse-moi, enlace-moi
Meurt en mon corps ton désarroi
Ah, si tu savais me faire sourire!
Je pourrais t'aimer jusqu'au délire
Mais mon amour
Mon pauvre amour
Je ne rêve pas de toi
Sozinha
Sozinha, sozinha
Sozinha mesmo em teus braços
Sozinha à noite
Sozinha no dia
Sonhando com um grande amor
Que não vem
Cante uma canção para me iludir
Faça-me, eu lhe imploro, esquecer tudo
Beije-me, me abraça
Que morre em meu corpo sua confusão
Ah, se você soubesse me fazer sorrir!
Eu poderia te adorar até a loucura
Mas, meu amor
Meu pobre amor
Eu já não sonho mais com você
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*"Feira de Água de Meninos" - já desaparecida em virtude de um incêndio. Nela, muitos dos feirantes construíam desordenadamente seus barracos e ali moravam.
**Alex Viany - cineasta, roteirista, produtor, jornalista e ator. Como crítico cinematográfico brasileiro, morava nos EUA na época em que Vinícius de Moraes estava no posto de vice-consul em Los Angeles (1947).
***lida por Betina Viany, filha de Alex Viany, no curta "Nós somos um poema" - emhttps://www.youtube.com/watch?v=qLYZi1Giw5Y
"Brasília - vista da Torre de Televisão" - ao fundo, a esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional
foto: arq. pessoal
"Brasília - Sinfonia da Alvorada" é um poema sinfônico de Vinícius de Moraes, musicado por Tom Jobim. Foi composto a pedido de Juscelino Kubitschek, então Presidente da República, que o queria para a inauguração de Brasília. Mas houve protestos contra a construção da cidade e, por questões de custos relativos a tecnologia para sua apresentação, a cidade foi inaugurada sem a apresentação da "Sinfonia". Gravada em 1960, somente em 1966 ocorreu sua primeira audição.
Ao retornar de uma viagem à Brasília, e inspirado pelas imagens da cidade que haviam me encantado, fui procurar o poema da "Sinfonia". Imaginei que pudesse encontrá-lo em um livro que tenho em casa, e que reúne a obra poética do Vinícius de Moraes em prosa e em verso (1). Não o encontrei. Recorri à internet e lá estava: a "Sinfonia da Alvorada"(2). Eu sabia da existência dessa sinfonia e da história que envolvia sua composição pelo Tom e pelo Vinícius. Mas eu nunca havia lido o poema, nem tampouco ouvido a música. Fui encontrá-la no youtube. Coloquei para ouvir. Que beleza! O poema é dividido em cinco partes (3):
I - O planalto deserto;
II - O homem;
III - A chegada dos candangos;
IV - O trabalho e a construção;
V - Coral
Na primeira parte ("O Planalto Deserto") o Vinícius descreve o lugar conforme o imaginava, anteriormente à chegada do homem: os campos, as cores, as aves, as auroras...
"No princípio era o ermo
Eram antigas solidões em mágoa.
O altiplano, o infinito descampado (...)"
Depois, na segunda parte ("O Homem"), ele trata da chegada do homem. O homem ali chegou para desbravar, para fundar, para erguer e para ficar... O homem trazia, "a antiga determinação dos bandeirantes". "No entanto", explica, "não eram o ouro e os diamantes o objeto de sua cobiça." E assim o Vinícius escreveu a respeito do homem que ali chegou para ficar:
"Seus pés plantaram-se na terra vermelha do altiplano. Seu olhar descortinou as grandes extensões sem mágoa no círculo infinito do horizonte. Seu peito encheu-se do ar puro do cerrado. Sim, ele plantaria no deserto uma cidade muito branca e muito pura..."
Na terceira parte ("A Chegada dos Candangos"), o Vinícius fala da convocação e da chegada de todos os homens que tinham vontade de trabalhar, e da confiança no futuro.
"E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra (...) muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de melhores dias (...)".
Para essa construção "foi necessário muito mais que engenho, tenacidade e invenção", diz o Vinícius. Ele utilizou das imagens duras das palavras "concreto", "ferro", "cimento", "areia" e "fios" para compor a 4ª parte - "O Trabalho e a Construção". Fala, além dos materiais, do tipo de trabalho a ser realizado:
E descreve ainda o final de cada dia, o crepúsculo, o retorno do trabalhador,
"as mãos vazias de trabalho e os olhos cheios de horizontes (...)".
No fim, com a cidade pronta, o coro masculino (5ª parte: "Coral"), os homens, os trabalhadores, celebram exultantes a obra concluída:
"Brasília, Brasília... Brasil, Brasil"...
E o poeta, com todo seu lirismo, assim descreve a cidade que havia nascido:
"Terra de sol
Terra de luz
Terra que guarda no céu
A brilhar o sinal de uma cruz
Terra de luz
Terra-esperança, promessa
De um mundo de paz e de amor
Terra de irmãos
Ó alma brasileira...
... Alma brasileira...
Terra-poesia de canções e de perdão
Terra que um dia encontrou seu coração
Brasil! Brasil!
Brasília!
Hoje, pensando nessa composição eu me pergunto: "Como passei tantos anos sem conhecê-la?" Mas tudo tem seu tempo. O sentido e o valor das coisas aparecem conforme a vida vai nos proporcionando situações novas. Pois foi preciso eu ficar tomado de amores pela construção de Brasília para poder buscar e compreender o significado da sinfonia... da Sua "Sinfonia"...
(CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR E OUVIR)
("Sinfonia da Alvorada" - trechos na voz de Vinícius de Moraes
https://www.youtube.com/watch?v=IQ02nAV79ZM)
(texto escrito em março/2013)
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(1) "Poesia Completa e Prosa". Editora Nova Aguilar - 2ª edição de 1976, reimpressa em 1985) (2) Para ler o poema inteiro, https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/87259/ (3) Para ouvir o poema sinfônico, declamado pelo Vinícius, segue o link do youtube
I - O Planalto Deserto - https://www.youtube.com/watch?v=MhYYwocpDgw II - O Homem - https://www.youtube.com/watch?v=t2ZsjFDl_ug III - A Chegada dos Candangos - https://www.youtube.com/watch?v=9QXdOiYowzM IV - O Trabalho e a Construção - https://www.youtube.com/watch?v=OyJVmv5sRg4 V - Coral - https://www.youtube.com/watch?v=T33IBIK-B9M
O Decreto-lei 5540, de 1943 oficializou o dia 19 de abril como sendo o "Dia do Índio" no Brasil. O objetivo desse Decreto foi, simplesmente, fazer com que nos lembrássemos, anualmente, do quanto os indígenas contribuíram para a formação do povo brasileiro.
Internacionalmente, a ONU também criou uma data visando a conscientização mundial sobre a preservação e a importância dos direitos e da cultura indígenas. Assim, 09 de agosto é considerado o Dia Internacional dos Povos Indígenas.
Nós sabemos que, antes mesmo da chegada de Colombo, no final do século XV, os países do continente americano eram habitados por grandes nações indígenas. E, a partir daí, os incas, os astecas e os maias foram estraçalhados pelos europeus; muitas tribos indígenas foram totalmente dizimadas, e grande parte de sua cultura foi suprimida, também pelos europeus.
Como se tudo isso não bastasse, ouro, prata, minérios, pau-brasil etc, as riquezas do continente americano, a partir de então, passaram a ser levadas para a Europa sem que houvesse compensação alguma por tal dilapidação de patrimônio. Sob o prisma eurocêntrico, qual o nome que poderíamos dar a essa maneira de proceder: furto? roubo? exploração? saque? empréstimo? Um quilo de ouro por um facão ou um espelho: escambo? Houve autorização dos povos indígenas para que tal transferência de patrimônio pudesse ser feita?
Assim, levando em consideração os mais de 500 anos que se passaram desde a chegada do europeu ao continente americano e, consequentemente, da exploração não compensada das riquezas aqui existentes, o que nos parece é que qualquer cobrança de um país europeu, de dívida contraída por algum país situado no continente americano, precisa ser reavaliada para se poder apurar quem é o credor e quem é o devedor.
À luz de tal raciocínio, atribuiu-se a um representante de nações indígenas mexicanas uma manifestação diante de representantes das nações europeias, argumentando serem eles, os habitantes do continente americano, em especial da américa latina, credores, e não devedores aos europeus.
Eis a manifestação*:
CLIQUE NA SETA
https://www.youtube.com/watch?v=-4Wx6HIfBzo
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"Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a "descobriram" só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento - ao meu país- , com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e juros.
Consta no "Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais" que, somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.
Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão.
Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirmam que a arrancada do capitalismo e a atual civilização europeia se devem à inundação de metais preciosos tirados das Américas.
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.
Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva.
Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano "MARSHALL MONTEZUMA", para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, e de outras conquistas da civilização.
Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, podemos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional responsável ou pelo menos produtivo desses fundos?
Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em terceiros reichs e várias formas de extermínio mútuo. No aspecto financeiro, foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros quanto independerem das rendas líquidas, das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo.
Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente, temos demorado todos estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus cobram dos povos do Terceiro Mundo.
Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça. Sobre esta base e aplicando a fórmula europeia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total será necessário expandir o planeta Terra.
Muito peso em ouro e prata... quanto pesariam se calculados em sangue?
Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para esses módicos juros, seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos capitalistas.
Tais questões metafísicas, desde já, não inquietam a nós, índios da América. Porém, exigimos assinatura de uma carta de intenções que enquadre os povos devedores do Velho Continente e que os obriguem a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permitam entregar suas terras, como primeira prestação de dívida histórica..."
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Pode ser que essa manifestação nunca tenha ocorrido, que o representante das comunidades indígenas mexicanas - e americanas, por extensão - nunca tenha existido. No entanto, faz todo sentido o conteúdo do suposto discurso proferido, e vale como reflexão em relação a dívidas cobradas por países espoliadores das riquezas dos países do continente americano.
Por fim, em uma avaliação geral, creio que a Europa, em relação ao continente americano, e em especial em relação aos países latino-americanos, segue devedora de uma fortuna impagável - e crescente, pelo acréscimo de juros.
Ei-lo ali, na região do Cone Sul, a Oeste da Avenida Atlântica.
Hotel Brasil - Ribeirão Preto, SP
Foto: arq. pessoal (abr/2019)
CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
João Gilberto - "Canta Brasil" - (Alcyr Pires/David Nasser)
https://www.youtube.com/watch?v=Ho0PJNjcbCc
Integrante da rede de hotéis Mercosul, e com apenas uma administração central, o Hotel Brasil dispõe de 26 quartos, em 5.570 metros quadrados, para receber hóspedes. Dizem que, dele, o que se tem é uma visão do paraíso. Mas eu continuo acreditando que ele nasceu sendo, e pode voltar a ser, o próprio paraíso. De suas janelas são vistas, ainda, enormes palmeiras imperiais, nas quais sabiás fazem seus ninhos. Em outros tempos, representava a certeza de um futuro promissor. Nele já se instalaram hóspedes conhecidos, com perfis bastante diferentes: Dom Pedro II, Artur Bernardes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, General Médici, Fernando Collor, FHC, Lula, além de muitos outros Pedros, Marias e Joões. Com o passar dos anos, ele foi perdendo sua imponência e suas riquezas.
Muitos dos que por ele passaram, conseguiram arruinar suas instalações: de início levavam pequenos cinzeiros, copos com sua logomarca, aparadores; depois passaram a retirar de seus quartos torneiras, fechaduras, artigos de metal... Na sequência, levaram até peças do seu mobiliário. Há pouco começaram a falar dele por intermédio de discursos carregados de ódio, como que buscando fabricar consciências enlatadas desprovidas de qualquer juízo crítico. Ultimamente, além do oxigênio que dentro dele circula, andam levando a lembrança dos ideais que desenharam suas fronteiras e coloriram seus espaços internos... Passo os olhos por ele e pelos vãos de suas janelas entreabertas. Ele continua habitado. Mas, ao invés de obreiros verdadeiramente comprometidas com sua reconstrução, observo ali dentro fantasmas de estranha natureza: gerentes indecorosos, pregadores fanáticos, celebridades intolerantes e falsos moralistas travestidos de profetas.
Hotel Brasil - detalhe
Foto: arq. pessoal
O Hotel Brasil continua de pé, em tijolos sem reboque, sem cor, sem oxigênio respirável, sofrendo as mesmas agruras de que foram vítimas alguns de seus hóspedes idealistas que dele foram expulsos.
Mas nem tudo é eterno. O imponente Hotel Brasil ainda há de recuperar suas forças para poder cumprir os seus desígnios. Ele ainda há de se reerguer e fazer com que os hóspedes indiferentes às sinalizações da história, que trafegam pela esquerda ou pela direita, envergonhados, se afastem espontaneamente de suas instalações. Por si só, e pela sua grandeza histórica, ele ainda há de promover a abertura de olhos dos carentes de juízo crítico, dos fantasmas intelectualmente miseráveis, dos usurpadores de reboque, de liberdades, de tijolos, de matas, de fiação, de azulejos, de telhas, de mentes, e - especialmente - dos destruidores dos seus encantos... Brasil, ainda assim, como posso não dourar os seus brasões?
Não, não me diga adeus. Não maldiga a nossa sorte. Não deixe de lado a esperança que nutres por mim. Um tropeço, um a mais... Não faz mal: é a possibilidade de um outro aprendizado. As grandes vitórias acontecem a todo instante. Continuo aqui, fértil, alegre, rico, ensolarado, de imensidões abertas para que você me descubra e me explore.
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DURANTE A LEITURA
"Corra e olhe o céu" - Cartola
https://www.youtube.com/watch?v=DXqSLUUb-Tc
Sou seu. Sirva-se de todas as minhas manhãs, de todos os raios de sol que clareiam os seus dias: sirva-se das minhas potencialidades; explore minhas possibilidades. Retire de mim a água, o alimento... Olhe ao redor, orgulhe-se do que te ofereço... Te espero a cada novo despertar. Sou o que fazes de mim, sou um país que canta, que trabalha, que cai e se levanta... que sofre, mas que não se deixa abater. Vencedor ou vencido, sou o Brasil que existe dentro de você.
GABRIELA MISTRAL é o pseudônimo da poetisa e diplomata chilena, Lucila de Maria del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga (1889-1957) - prêmio Nobel de Literatura de 1945. Questionando imagens religiosas, ela assim se expressou: