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domingo, 13 de março de 2022

ARANJUEZ MON AMOUR


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
(VIDEO: Clique para ouvir o Richard Anthony)

     É realmente incrível o quanto a música mexe com a gente. Com ela sonhamos, viajamos, criamos e nos nutrimos de esperanças. Com a imaginação estimulada por uma música podemos tudo, fazemos tudo. E é bom que seja mesmo assim. Afinal, sem as fantasias a vida fica muito chata. Pois vejam só... 

     Eu era ainda muito jovem quando ouvi "Aranjuez mon amour" pela primeira vez. Tínhamos lá em casa um compacto simples; o cantor era Richard Anthony, em gravação de 1967. 


 (FOTO: "Tínhamos lá em casa um compacto simples" - fonte: http://bimg2.mlstatic.com/richard-anthony-aranjuez-mon-amour-vinil-compacto_MLB-F-193948441_3957.jpg)

     Como a letra, escrita por Guy Bontempelli*, era em francês e eu não tinha condição de entendê-la, debruçava-me em frente à vitrola e, olhando o disco girar, as imagens se sucediam a cada vez que ouvia a música. Ao longo dos anos, a imagem que a música me inspirou foi a de uma viagem aérea... uma viagem a lugares distantes, sobrevoando países, observando de cima seus edifícios, ouvindo seus sons e sentindo o pulsar de vida existente no povo de cada lugar por onde essa viagem acontecesse... uma viagem longa e compassada... 

     Estranho, pois tal imagem nada tem a ver com a letra da música, que fala de amor, de rosas e do tempo, muito embora tenha sido inspirada (a letra) em um triste episódio das Guerras Napoleônicas (1806-1808). Mas, talvez essa imagem me tenha vindo pelo andamento da música, lembrando um movimento lento e contínuo... a sequência do acorde inicial do violão, a melodia suave do instrumento de sopro que entra em seguida... 

     Só depois de ter ouvido o Richard Anthony é que fui descobrir, anos mais tarde, que "Aranjuez mon amour" havia nascido do segundo movimento do "Concierto de Aranjuez", composto pelo espanhol Joaquin Rodrigo em 1939.  



(FOTO: "Joaquin Rodrigo" - 1901-1999 - fonte: http://music.minnesota.publicradio.org/features/9907_rodrigo/images/rodrigo_older_lg.jpg)

     Dentre as músicas de que gosto, talvez essa esteja entre as cinco primeiras. Carreguei por muitos e muitos anos esse nome, "Aranjuez", sem saber o seu significado.

     Mas como as coisas sempre acontecem quando a gente menos espera, foi em uma reunião, há uns dez anos, por aí, que descobri o que é "Aranjuez". Eu estava em uma roda de amigos. Uma das amigas de minha esposa aproximou-se e apresentou-nos seu companheiro, natural da Espanha. Conversamos com ele sobre viagens, países e costumes. E ao falarmos sobre a Espanha, contou-nos que era natural de uma cidadezinha ao sul de Madri, chamada "Aranjuez".

     - "Aranjuez ? É uma cidade ? Caraca, não sabia disso!" - exclamei em voz alta.

(FOTO: Fonte de Vênus, Jardin de la Isla en Aranjuez - fonte: http://cecibustos.wordpress.com/2009/08/19/guillermo-carnero-capricho-en-aranjuez/)

     Todos ao meu redor se espantaram ao ver minha reação ao ouvir e repetir várias vezes o nome daquela cidade...

     - "Aranjuez... Aranjuez... 'Aranjuez, mon amour'"!, completei.

     Minha esposa e as demais pessoas que estevam naquele grupo não entenderam nada...

     - "Isso mesmo!", disse o companheiro da amiga, "foi por tudo que a cidade inspirou no Joaquin Rodrigo que ele compôs o 'Concierto de Aranjuez'".

     A partir daí, esclarecidos os comentários, a conversa no grupo passou a ter como tema o Joaquin Rodrigo, o Concierto de Aranjuez, e, inevitavelmente, a cidade de Aranjuez.

     Foi nessa noite, então, que descobri, que Aranjuez é uma cidade Medieval, com bosques e antigos palácios rodeados por jardins e fontes.

     Mesmo com tal descoberta, a viagem que sempre imagino, ao ouvir o "concierto", em nada foi alterada. Pelo contrário. Agora, ao ouvir o segundo movimento do "concierto", vejo também cavaleiros medievais, castelos, reis e rainhas sendo formados ao som do seu primeiro movimento.

     E, aliando a minha viagem, no segundo movimento, com os cavaleiros medievais do primeiro (movimento), o terceiro (movimento) acrescenta a imagem desses mesmos cavaleiros, em campos floridos, empunhando as bandeiras de seus reinos, em incansáveis passeios no entorno de seus castelos.

(FOTO: Palácio Real - Aranjuez - fonte: http://thelife-roadtrip.blogspot.com.br/2010_11_01_archive.html)

     O "Concierto" celebrizou o seu autor. Joaquin Rodrigo perdeu a visão ainda criança (aos quatro anos de idade), e faleceu em 1999 com 98 anos. Sua percepção da cidade de Aranjuez ficou traduzida nos sons e perfumes que sentia quando lá estava - e que lhe inspiraram o belíssimo "Concierto": o "Concierto de Aranjuez".

ARANJUEZ, MON AMOUR

 

Mon amour, sur l'eau des fontaines, mon amour

Ou le vent les amènent, mon amour

Le soir tombé, on voit flotter

Des pétales de roses

 

Mon amour et des murs se gercent mon amour

Au soleil au vent à l'averse et aux années qui vont passant

Depuis le matin de mai qu'ils sont venus

Et qu'en chantant, soudain ils ont écrit sur les murs du bout de leur fusil

De bien étranges choses

 

Mon amour, le rosier suit les traces, mon amour

Sur le mur et enlace, mon amour

Leurs noms gravés et chaque été

D'un beau rouge sont les roses

 

Mon amour, sèche les fontaines, mon amour

Au soleil au vent de la plaine et aux années qui vont passant

Depuis le matin de mai qu'il sont venus

La fleur au cœur, les pieds nus, le pas lent

Et les yeux éclairés d'un étrange sourire

 

Et sur ce mur lorsque le soir descend

On croirait voir des taches de sang

Ce ne sont que des roses !

Aranjuez, mon amour

ARANJUEZ, MEU AMOR

 

Meu amor, sobre a água das fontes, meu amor

Onde o vento as levam, meu amor

Ao cair da noite, vemos flutuar

Pétalas de rosas

 

Meu amor e paredes se desmancham meu amor

Ao sol, ao vento, à chuva, e aos anos que vão passando

Desde a manhã de maio que eles vieram

E quando cantando, de repente escreveram nas paredes com a ponta do seu fuzil

Coisas bem estranhas

 

Meu amor, a roseira segue os seus sinais, meu amor

Na parede e abraça, meu amor

Seus nomes gravados e a cada verão

De um lindo vermelho são as rosas

 

Meu amor, seque as fontes, meu amor

Ao sol, ao vento da planície, e aos anos que vão passando

Desde a manhã de maio que eles vieram

A flor no coração, pés descalços, o passo lento

E os olhos iluminados por um estranho sorriso

 

E nesta parede, quando a noite cai

Acreditaríamos ver manchas de sangue

São apenas rosas

Aranjuez, meu amor


*Guy Bontempelli (compositor e intérprete francês - 1940-2014) escreveu a letra de "Aranjuez mon amour" inspirado em um episódio da Guerra Napoleônica de 1806-1808
pintado por Francisco Goya (espanhol): "O Três de maio de 1808" (fuzilamentos em Madrid)  

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