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quarta-feira, 5 de julho de 2023

"O QUE É DO GOSTO, REGALO DA VIDA"

 

Renato Teixeira, dele, "As coisas que eu gosto" - do disco "Paisagem" (1973)
https://www.youtube.com/watch?v=uFDdebTbemU

    No meio da tarde de ontem entrei em uma loja de conveniências de um posto de gasolina. Não queria comprar nada; só queria ficar ali por alguns minutos, à toa. Mas... peguei um suco de laranja na geladeira e, no balcão, um pão de queijo que, cheirando à aconchego, havia acabado de sair do forno. Em seguida fui me sentar à uma das mesas da loja, de onde, enquanto comia, olhava pela janela de vidro o movimento dos automóveis lá fora, ao lado das bombas de gasolina, e a entrada e saída de clientes na loja.

https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/degusta/receitas/pao-de-queijo-mineiro,61750a25002291f457b3d451709f023f0fx6b0rx.html

    Ao terminar o meu lanche percebi que havia apenas uma moça atendendo ao caixa, e que o número de pessoas que procuravam efetuar o pagamento de suas compras estava aumentando. Como a espera para pagar poderia ser longa, levantei-me e posicionei-me na fila, e fiquei no aguardo de minha vez para ser atendido.

    À minha frente havia quatro pessoas: um senhor que usava um óculos de lentes grossas, uma adolescente japonesinha, uma senhora bem alta, e logo à minha frente um senhor de uns 60 anos, que levava sob o braço um pacote contendo latinhas de cerveja. Assim que me postei na fila o telefone celular deste senhor à minha frente soou, e ele passou a emitir sons ininteligíveis que deveriam ser palavras direcionadas à pessoa que o havia chamado. Ao final da ligação dirigiu-se a mim e queixou-se:

    - Minha mulher não larga do meu pé! Ela agora passou a implicar com o meu prazer de tomar uma de cerveja antes do jantar.

    - Puxa vida, disse-lhe eu, mas de vez em quando uma cervejinha antes do jantar não faz mal a ninguém. É até romântico, cria uma boa cumplicidade - completei. Ela não toma uma com você? Já a convidou?

    Posando de malandro, ele passou a me explicar que não se tratava apenas de uma cerveja; mas que a mania dele era de tomar exatamente sete, na semana.

    - Bom, disse-lhe eu, sete na semana significa uma por dia... Está tudo de bom tamanho. Não há exagero nisso.

    Para que eu entendesse melhor a situação, ele me disse que costumava tomar sete latinhas de cerveja em uma sentada só: e pelo menos em três dias na semana!

    Sem saber o que dizer, comentei que aí a dificuldade de se ter a companhia e a cumplicidade da mulher já ficava mais difícil; que podemos exagerar de vez em quando, que Deus compreende e perdoa, mas que é bom que pelo menos tentemos ser moderados.

    Com ares de esperto, ou apenas para alongar a conversa, ele me contou que havia ido a uma médica e que ela havia lhe dito, metaforicamente, que as muitas notas promissórias que ele havia emitido estavam começando a chegar. E arrematou:

    - Veja só, eu estou com quase 60 anos... e preciso ser feliz!

    Dito isso ele foi chamado ao caixa, pagou pela sua compra, olhou para mim e, despedindo-se, arrematou dizendo:

    - "O que é do gosto, regalo da vida!"

    Chegada a minha vez, fui chamado ao caixa. Mas... antes... pensei rapidamente sobre a breve conversa que havia tido com aquele senhor e, num impulso, cedi ao rapaz que me seguia na fila a vez de ser atendido. Com passos decididos dirigi-me novamente ao balcão da padaria, onde pedi mais uma dúzia de pães de queijo: um para eu comer enquanto aguardava novamente minha vez na fila do caixa, e os outros onze para serem colocados num saquinho e levados para casa... E nem me importei mais com o tamanho da fila ou com o que, de início, poderia me parecer um exagero.


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