Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
No final de semana que passou, eu estava assistindo pela internet a um colóquio internacional sobre a obra literária e musical de Vinícius de Moraes. Em um determinado momento um dos participantes deparou-se com a palavra "saudade", e comentou que não a conhecia. Um dos comentaristas, mexicano, notando tal dificuldade, tentou explicar o seu significado.
Enquanto eu ouvia as explicações, eu me lembrava de uma guarânia composta há muitos anos por Mário Palmério*, no período em que ele exercia as funções de embaixador do Brasil no Paraguai. Essa guarânia foi escrita exatamente para o mesmo fim: explicar o significado da palavra "saudade".
Para melhor se fazer entender, Mário Palmério não procurou sinônimos. Ele trilhou o caminho dos sentimentos. Assim, na letra da guarânia, antes mesmo de explicar o significado da palavra "saudade", ele alertou que seria necessário que os significados das palavras "querer" e "ternura" fossem previamente conhecidos. Acrescentou, ainda, que o interessado deveria ter sentido, um dia, a perda de um grande amor. Que só então, dotado de tais requisitos, o interessado teria condição de compreender, ou, melhor ainda, de sentir o seu significado. Ele explicou que tal resultado seria decorrente da perda de um grande amor. Que "saudade", portanto, corresponde ao sentimento advindo daquela perda, a qual traz consigo a noção que se tem de "distância", de "ausência" e de "sofrimento". E foi assim então, com objetivo de explicar o significado da palavra "saudade", patrimônio da língua portuguesa, que nasceu essa bela guarânia: "Saudade" - depois do Hino Nacional do Paraguai, a música mais conhecida naquele país.
SAUDADE
(Mário Palmério)
Si insistes en saber lo que es saudade
Tendrás que antes de todo conocer,
Sentir lo que es querer, lo que es ternura,
Tener por bien un puro amor, vivir!
Después comprenderás lo que es saudade
Después que hayas perdido aquel amor
Saudade es soledad, melancolia,
Es lejania, es recordar, sufrir!
__________________________
* Mário de Ascenção Palmério (1916-1996) - educador, diplomata e romancista. Ocupou a Cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo a Guimarães Rosa. Embaixador do Brasil no Paraguai de 09/1962 a 04/1964. Transformou Uberaba/MG em cidade universitária, com a criação de diversos cursos superiores.
Quando fiz o curso de Direito Processual do Trabalho, na graduação em Direito, o professor indicou como fonte de estudos um livro de sua autoria. Mencionou que havia uma outra obra, de um jurista chamado Carlos Coqueijo Torreão da Costa, que também poderia servir como fonte de estudos. Eu, assim como todos os demais alunos, fui levado a estudar exclusivamente pela obra do professor - que era um jurista renomado, porém muito moldado e presunçoso - a meu ver. Se eu soubesse que Coqueijo Costa*, além de compositor e multi-instrumentista, era amigo do Vinícius de Moraes, do Carlos Drummond, do Jorge Amado, e de tantos outros brasileiros que admiro, sem dúvida nenhuma teria optado por estudar em seu livro. Ele me parecia, no mínimo, uma pessoa interessante e universal. Talvez, por intermédio dele, eu pudesse ter adquirido alguma simpatia pelo ramo trabalhista do Direito.
(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Canto de Iemanjá", de Baden e Vinícius - Vinícius, Baden, Dulce Nunes, Quarteto em Cy)
Carlos Coqueijo era baiano. Certa vez presenteou seu amigo Vinicius de Moraes com um disco que trazia gravações de sambas de roda da Bahia, pontos de candomblé e toques de berimbau. Vinícius, fascinado com o presente, mostrou-o a Baden Powell; o Baden, então, pessoalmente, foi conhecer os cantos do candomblé baiano. Encantados e inspirados por aqueles sons e por aquela cultura, Vinícius e Baden, em 1966, compuseram as oito músicas abaixo relacionadas, as quais foram gravadas em um disco chamado os "Afro Sambas":
Canto de Ossanha
Canto de Xangô
Bocoché
Canto de Iemanjá
Tempo de Amor
Canto do Caboclo Pedra-Preta
Tristeza e Solidão
Lamento de Exu
Misturando instrumentos típicos do candomblé (atabaque, bongô, agogô, chocalho e afoxé) com instrumentos da música tradicional (flauta, violão, sax, bateria e contrabaixo), Vinícius e Baden introduziram elementos de religiosidade e cultura africanas à música brasileira.
Pelo que esse disco representa em termos sonoros, culturais, e de sincretismo da África com o Brasil, tornou-se um clássico antológico.
Sempre que eu o coloco para ouvir, fico com a sensação de estar invocando a presença de orixás, e fazendo a eles as minhas oferendas em um terreiro de candomblé... Mas também me lembro da opção de livro que fiz no curso de Direito Processual do Trabalho.
No mínimo, pelas imagens que a sonoridade das músicas gravadas cria, vale a pena conhecer e viajar nos Afro-Sambas.
- Saravá**!
_______________________________
*Carlos Coqueijo Torreão da Costa (1924/1988) foi jurista, compositor, maestro, jornalista, poeta, letrista, homem de teatro, cronista e cantor. Nasceu e morreu em Salvador (BA). Foi ministro do TST.
**SARAVÁ = (Houaiss) saudação que significa "salve", "viva". Etimologia: forma como os escravos pronunciavam a palavra portuguesa "salvar". Em estudos de umbanda significa "a força que movimenta a natureza".
Se procurarmos pelo “sr. Sahid”, na cidade de Guará, SP, poucos saberão dizer a quem estamos nos referindo. No entanto se perguntarmos quem é o Senhor Milim**, todos saberão nos dizer, de imediato, que o Senhor Milim é o proprietário de uma loja de calçados na esquina da Avenida Dr. Francisco de Paula Leão com a Rua Deputado João de Faria.
Sahid Elias Antônio (Milim) Foto: arq. pessoal (2013)
Conhecido por todas as gerações de guaraenses desde que, menino, jogava futebol no pátio de manobras da antiga Estrada de Ferro Mogiana, o sr. Milim foi, ao longo do tempo, acumulando histórias e fatos que observou, vivenciou, e que servem de inspiração para análise dos tempos atuais, na construção de um futuro para a cidade.
Sentado em uma cadeira, atrás do balcão de sua loja, o sr. Milim recebe com alegria clientes e, especialmente, amigos que por lá passam para uma conversa de poucos minutos, que seja. Também foi ali, por entre caixas e mais caixas de calçados, que o direcionamento administrativo do município de Guará tomou vulto, sob o olhar e a mentoria intelectual do dono da loja: o senhor Milim.
Esse respeito, essa consideração e essa confiança, dedicados pelos amigos e administradores públicos da cidade de Guará, ao longo do tempo, nada mais é do que o reconhecimento pelo carinho e valor que o sr. Milim desenvolveu pela cidade – a cidade onde nasceu e sempre viveu.
Em Guará, o Sr. Milim tornou-se um daqueles marcos referenciais capazes de inspirar amor, zelo e desejo de participação política nos rumos tomados pelo Município.
Incansável lutador pelos destinos da cidade, o Sr. Milim participou, como tesoureiro, das diretorias de construção da Igreja matriz de Guará e da Associação Atlética Guaraense. Nos eventos de caridade, promovidos pelas entidades sociais de Guará, era ele o leiloeiro e o animador das rodadas de bingo e das noitadas de quermesse embaladas por quentão, doces, salgados – e rodas de amigos.
Apaixonado pela cidade, e inconformado com as arbitrariedades que estavam levando às ruínas as instituições democráticas brasileiras e – notadamente - ao desaparecimento de muitos brasileiros, foi o Sr. Milim quem liderou o movimento que ensejou a fundação do partido político que teve a árdua função de apontar atrocidades e levantar vozes para que as liberdades democráticas não fossem suprimidas.
Seu envolvimento político nos rumos da cidade, sem nunca ter ocupado cargo público algum, e pela afinidade que tinha com políticos das esferas estadual e federal, possibilitaram a concessão de muitas bolsas de estudo para filhos de Guará que nada poderiam conquistar senão pelos estudos que puderam fazer em virtude das referidas bolsas de estudo conseguidas pelo Sr. Milim.
Muitos dos chefes do executivo municipal de Guará, tais como César Antônio Moreira e Francisco Vicente Iozzi, foram recebidos e atendidos com muito boa vontade e, por que não dizer, também por gratidão, por muitos Chefes de Executivo e Legislativo Estaduais, em virtude dos laços de amizade, empenho político do Sr. Milim, e reconhecimento de seu valor perante a comunidade guaraense.
Foi em decorrência de entendimentos entre o sr. Milim e representantes do Legislativo e Executivo guaraense que nasceu a ideia de se fazer, da antiga Estrada de Ferro Mogiana, uma avenida que pudesse perpetuar o nome de um médico ilustre, e se tornar um símbolo emblemático da cidade. E a avenida ganhou o nome de Dr. Francisco de Paula Leão por sugestão do sr. Milim. Além disso, foi também por iniciativa e intervenção do sr. Milim que a cidade de Guará ganhou, por doação de um irmão seu – o Dr. Niel Antônio Mourani, então secretário de administração da prefeitura municipal de Limeira-SP – as palmeiras imperiais que ornamentam o canteiro central da avenida.
Sem ocupar cargo político algum, e por nenhum interesse pessoal, senão o do desenvolvimento de Guará, o Sr. Milim foi um dos guias intelectuais dos caminhos trilhados pelos representantes do Município, para que Guará se tornasse uma Comarca: foi pelo conhecimento histórico de Guará, e daqueles que pela cidade passaram, que ao fórum de Guará foi dado o nome de um guaraense, por opção: Desembargador Valentim Alves da Silva. E mais: foi pelo círculo de amizades do Sr. Milim, junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que Guará conseguiu obter a votação necessária para tornar-se Comarca.
Além disso, nomes, personagens e fatos edificantes ocorridos em Guará foram levados à televisão, nas telenovelas “O Casarão”, da TV Globo, e “Cidadão Brasileiro”, da TV Record, em virtude dos vínculos de amizade do Sr. Milim com o celebrado escritor Lauro Cesar Muniz.
O sr. Milim sempre foi comerciante. Foi ele quem cuidou de manter o estabelecimento comercial que havia sido aberto por seus pais, imigrantes sírio-libaneses, que se instalaram em Guará nos primeiros anos do século passado.
O sr. Milim acreditou muito na cidade de Guará. Lutou pelo seu desenvolvimento e amou sua gente. Jamais pensou em encontrar seu próprio caminho em outras terras. Nos anos sessenta, em uma noite de triste memória, sua loja foi totalmente destruída por um incêndio. O Sr. Milim não desistiu. Confiante em seu trabalho, das cinzas reergueu sua loja, recolocou-a em atividade, e mantém suas portas abertas até os dias de hoje.
O Sr. Milim é filho do casal de imigrantes sírio-libaneses, Elias Antônio e Labibe Bechara – ambos já falecidos. Nascido em Guará no dia 27 de janeiro de 1931, teve dois irmãos mais velhos, e três mais novos: os mais velhos: Náufal Antônio Mourani e Nehif Antônio, distintos guaraenses que hoje dão nome a duas escolas na cidade; os mais novos: Jofre Antônio Mourani, Niel Antônio Mourani, e Anna Elias Martins Silva – todos já falecidos.
O sr. Milim é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Sua esposa, Neila Therezinha Simões Antônio, com quem esteve casado por mais de cinquenta anos, faleceu em 2018. É pai de Viviane Simões Antônio, professora, e avô de Coriolano Elias Antônio Mourani Naves, acadêmico de Direito.
O Sr. Milim é o grande símbolo do comerciante guaraense que acredita no que faz. É, especialmente, uma grande referência cultural da cidade.
Exemplos de vida e de amor por Guará precisam ser gravados nos anais da história. A história do sr. Milim é um desses exemplos. Assim como um farol que sinaliza o rumo para as embarcações que se aproximam da costa, esperamos que a história do Sr. Milim sirva de inspiração para a formação das novas gerações de guaraenses.
_______________________________ *Pequena biografia apresentada na Câmara Municipal de Guará, SP, em 17/01/20, data em que foi entregue ao Sr. Milim, pelos seus relevantes serviços prestados ao Município, a "Medalha de Mérito Legislativo".
**Milim – seu padrinho de batismo foi um imigrante libanês, também comerciante e radicado em Guará, chamado Jamil. Era chamado pelos parentes e amigos de “Jamilinho” – em homenagem ao seu padrinho. De Jamilinho, o pequeno afilhado do Jamil, passou a ser tratado por Milinho – e, de Milinho, “Milim”.
Hoje de manhã, ao acessar um site voltado para a criação artística no Brasil, "dei de cara" com a Elizeth Cardoso sorrindo para mim. Por um minuto olhei para aquela foto enorme, antiga, ainda em preto e branco, e pensei nas surpresas que a vida nos proporciona: surpresas, coincidências ou sei lá o quê. Talvez um sinal da imortalidade das almas, não sei..
O fato é que, no final da tarde de ontem, ainda em meu escritório, eu tinha ouvido a Ária-Cantilena, das Bachianas nº 5 do Villa-Lobos, em gravação feita pela Elizeth Cardoso. E como eu não conhecia aquela gravação, voltei para casa com o coração entalado na garganta, doido para me sentar calado e ficar pensando em coisas distantes... "pelo céu vazio de esperança... regressar para os meus, ao meu lugar..." - conforme cantado na letra poética da Ária Cantilena, escrita por David Nasser*.
Só sei dizer que ao chegar em casa, à noite, abri a porta da sala de visitas, sentei-me no sofá, abracei o meu violão, toquei e cantei a "Canção de Amor", diversas vezes, para homenagear a minha ilustre visitante: "Saudade, torrente de paixão, emoção diferente, que aniquila a vida da gente, uma dor que eu não sei de onde vem...".
Que grata visita!
"Volte sempre, Elizeth!"
Ária Cantilena (Bachianas nº 5)
(Villa-Lobos. Texto: David Nasser)
Vai
Por este céu vazio de esperança
Vai minha alma regressar
Para os meus ao meu lugar
Este chão de todos nós
Quando alguém me escutar
Vai lembrar
Vai lembrar a minha voz, as preces
Que deixei quando parti
dando tudo pra não ir
Ai... A eternidade...
Ai... Este meu grito...
Ai... Tudo perdido...
Ai... A esperança.
O infinito.
Canção de Amor
(Elano de Paula/Chocolate) Saudade torrente de paixão
Emoção diferente
Que aniquila a vida da gente
Uma dor que não sei de onde vem
Deixaste meu coração vazio
Deixaste a saudade
Ao desprezares aquela amizade
Que nasceu ao chamar-te meu bem
Nas cinzas do meu sonho
Um hino então componho
Sofrendo a desilusão
Que me invade
Canção de amor, saudade!
Saudade
__________________________
*David Nasser (1917-1980) - compositor e jornalista brasileiro, filho de imigrantes libaneses.
Em uma madrugada não muito distante, acordei com a sensação de que aquele astronauta norte-americano desaparecido no espaço (Major Tom) estava de volta à Terra. Lembrei-me de que sua missão havia falhado, de que os jornais, após a tragédia, criticaram muito os países do primeiro mundo pelo desperdício do dinheiro empregado em projetos absurdos.
Depois de ter entrado no espaço sideral, depois de ter saído da cápsula de sua nave, depois de ter informado que havia visto as estrelas sob um outro ângulo, depois de ter confirmado a constatação de Gagarin de que a terra é azul, suas conexões com a torre de comando foram perdidas - e o astronauta solitário ficou flutuando no espaço... flutuando... flutuando... e não retornou à Terra. Muitas décadas se passaram. Aquela missão malsucedida tornou-se apenas um número frio anotado em um quadro de estatísticas. Naquela madrugada, pelas ondas de rádio, as transmissões foram subitamente interrompidas. A voz distante de alguém que se identificava por Major Tom, tomando todas as estações em ondas curtas, médias e FM, dizia que tinha muita vontade de contar ao mundo o que havia descoberto. Ele dizia que estava feliz, que a esperança no bem da humanidade ainda não havia deixado de existir. Dizia que continuava tentando estabelecer contato com a Terra, que pensava em relatar sua experiência cósmica, mas que temia ser ridicularizado pela propagação da simplicidade das descobertas que havia feito. Por alguns instantes eu ouvi aquela voz dizer, em um Inglês bastante compassado e compreensível, que o homem nasceu para ser livre e fazer suas próprias descobertas; que as escolhas feitas, se advindas de interferências externas, não fazem do homem um ser amadurecido e realizado; que as verdades não são únicas; que o planeta Terra sempre esteve destinado a ser habitado por seres de bom coração que desconhecem palavras de ódio e que se harmonizam uns com os outros, assim como o planeta Terra se harmoniza com todo o universo. Logo após ter ouvido aquela mensagem revestida de pureza e simplicidade, percebi que as estações de rádio deixaram de transmitir seus programas habituais. Ainda sem entender o significado do que ocorrera, levantei-me da cama e fui até a janela. Lá fora, na escuridão, a cidade dormia seu sono reparador. Nenhuma luz iluminava as ruas ou as calçadas; nos imóveis, nenhum despertar; nenhum movimento, nenhum veículo; nenhum barulho... Lá longe, a lua... No céu, bem pertinho do horizonte, dentre muitas, uma estrela em movimento fez uma alegoria para, em seguida, desaparecer...
Depois, pensando na harmonia do universo, voltei a me deitar e adormecer... até que a claridade de um novo dia me despertou. E eu me levantei cheio de fé e esperança, querendo crer que, na cidade, entre as pessoas, uma grande transformação havia se processado...
Starman (David Bowie)
Didn't know what time it was,
The lights were low
I leaned back on my radio
Some cat was layin' down
Some rock 'n' roll 'lotta soul, he said
Then the loud sound did seem to fade
Came back like a slow voice on a wave of phase
That weren't no D.J. that was hazy cosmic jive
There's a starman waiting in the sky
He'd like to come and meet us
But he thinks he'd blow our minds
There's a starman waiting in the sky
He's told us not to blow it
Cause he knows it's all worthwhile
He told me:
Let the children lose it
Let the children use it
Let all the children boogie
I had to phone someone so I picked on you
Hey, that's far out so you heard him too!
Switch on the Tv we may pick him up on channel two
Look out your window I can see his light
If we can sparkle he may land tonight
Don't tell your poppa or he'll get us locked up
In fright
There's a starman waiting in the sky
He'd like to come and meet us
But he thinks he'd blow our minds
There's a starman waiting in the sky
He's told us not to blow it
Cause he knows it's all worthwhile
He told me:
Let the children lose it
Let the children use it
Let all the children boogie
Homem das estrelas
Não sei que horas eram
As luzes estavam baixas
Me voltei para o rádio
Um gato estava deitado
Um rock n'roll com muito soul, dizia a música
Então o som alto parecia ir reduzindo
Voltou como uma voz baixa numa maré alta
Não era nenhum DJ, eram notícias cósmicas nebulosas
Há um homem estelar esperando no céu
Ele gostaria de vir e nos encontrar
Mas ele acha que iria confundir nossas idéias
Há um homem estelar esperando no céu
Ele nos disse para não confundir
Porque ele sabe que isso é valioso
Ele me disse
Deixe as crianças sossegadas
Deixe as crianças usarem a cabeça
Deixe as crianças dançarem
Eu tinha que ligar para alguém então eu te liguei
Ei, isso foi para longe então você também o ouviu!
Ligue a TV nós podemos sintonizá-lo no canal dois
Olhe pela janela eu posso ver a luz dele
Se pudermos sinalizar talvez ele possa pousar hoje à noite
Não diga ao seu pai ou ele irá nos deixar de castigo
Durante o período colonial esteve em nosso país um francês meio maluco e, ao mesmo tempo, um tanto quanto interessante. Maluco porque suas ideias eram execráveis, interessante porque, mesmo com tais ideias, acabou conquistando a amizade do nosso Imperador.
CLIQUE NA SETA PARA OUVIR
J. P. Rampal - Franz Benda Flute Sonata in F Major
Esse francês chamava-se Gobineau. Desembarcou aqui no Brasil, à contragosto seu, na qualidade de "embaixador" da França, e aqui permaneceu de 1869 a 1870 - cerca de um ano, portanto.
Gobineau, que trazia com seu nome o título de Conde, ficou muito conhecido em todo o mundo por suas teorias. Em 1855, antes mesmo de vir ao Brasil, ele publicou um livro intitulado "Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas". Tratava-se de um ensaio no qual ele procurava explicar, sem bases científicas, o motivo pelo qual algumas sociedades progrediam enquanto outras fracassavam.
No seu ensaio, Gobineau levantou algumas hipóteses: pensou no fanatismo, no luxo e na preguiça, na corrupção de costumes, no abandono dos preceitos religiosos, nos maus governos, e, dentre outras, no envelhecimento das civilizações. Para ele, nenhuma dessas hipóteses justificava a falência de uma nação. Ele acreditava que a justificativa da decadência das civilizações era a questão étnica. Portanto, para ele, a responsável pela degradação de todas as civilizações era a mistura de raças.
Em virtude da publicação de seu ensaio, Gobineau ficou conhecido como teórico do racialismo - teoria (já ultrapassada) segundo a qual a espécie humana se divide em raças. Assim, na linha de seu entendimento, o Brasil encontrava-se em avançado processo de perdição.
Imaginem só com que estado de espírito Gobineau desembarcou aqui em 1869! Naquela época a população brasileira era composta por um elevado número de escravos, mulatos e mestiços. Observando o nosso povo e as nossas cidades, assim ele nos descreveu em diversas cartas* enviadas a seus amigos e familiares: "Salvo o Imperador, não há ninguém neste deserto povoado de malandros" "Nenhum brasileiro é de sangue puro; as combinações dos casamentos entre brancos, indígenas e negros multiplicaram-se a tal ponto que os matizes da carnação são inúmeros, e tudo isso produziu, nas classes baixas e nas altas, uma degenerescência do mais triste aspecto". "Já não existe nenhuma família brasileira que não tenha sangue negro e índio nas veias; o resultado são compleições raquíticas que, se nem sempre repugnantes, são sempre desagradáveis aos olhos". Com essa imagem tão preconceituosa em relação ao brasileiro, Gobineau achou o posto no Brasil indigno de seus méritos. E detestou o nosso país! Contudo, ele foi um grande amigo e admirador de d. Pedro II. - "Como pode??" O que poderia ter feito com que Gobineau e d. Pedro II desenvolvessem uma amizade marcada por diálogo, reuniões, visitas, livre trânsito do francês na Corte brasileira, troca de correspondências e de ideias sobre viagens, romances e poesias? O que teria feito d.Pedro II ter tido paciência de ouvir Gobineau, suas ideias e suas terias? Em suas correspondências, assim Gobineau se referia a d. Pedro II:
"Tenho pena que ele seja Imperador. Tem demasiados talento e mérito para isso". "Seu maior prazer é ampliar sua instrução e progredir, aplicando-se em possuir toda espécie de conhecimentos".
Todos nós sabemos que d. Pedro II foi um apaixonado pelo Brasil e pelo povo brasileiro; que tornou-se um servidor público exemplar, um estudioso que amava as ciências e as letras, e que cumpria seus deveres sem se deixar levar por paixões**.
Pois tanto Gobineau quanto d. Pedro II eram eruditos. Ambos compreendiam e discutiam o valor das artes. Em seus encontros eles conversavam sobre livros, viagens, música, esculturas e pinturas. O próprio Gobineau era escultor. Assim, mesmo discordando de muitas das teorias do "embaixador" francês, d. Pedro II gostava de sua companhia. Foram, portanto, os livros, a música, a escultura, a literatura e a poesia os responsáveis pela aproximação e pela amizade que existiu entre d. Pedro II e o Conde de Gobineau.
"Mima" - Escultura em mármore branco (Arthur de Gobineau)
Hoje, pensando nessa história, vislumbro um caminho que pode nos desviar da imensa intolerância reinante por todo lado: a arte! Os homens, quando tomados pela inspiração artística, dialogam e convivem de maneira respeitosa e construtiva - mesmo quando suas ideias são divergentes. Pelo menos foi isso que nos mostrou a história que acabei de contar. - Que nos sirva de inspiração!
__________________________ *RAEDERS, Georges. O Conde de Gobineau no Brasil. Tradução de Rosa Freire d'Aguiar. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1988 **CARVALHO, José Murilo de. D. PEDRO II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007