Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
- Sim, são meus amigos...! Mas... não, não sei te responder para onde foram...
Pode ser que tenham ido segredar assuntos que só a eles interessam.
Pode ser que tenham ido para alguma fazenda; ou talvez estejam no banco de jardim de alguma praça...
Sem chances de poder encontrá-los vou ficando por aqui, querendo crer que talvez tenham ido para o Norte, para o Canadá... talvez tenham partido a procura de uma cidadezinha na província de Ontario.
(HELPLESS - Neil Young and The Band)
https://www.youtube.com/watch?v=J2z7LXpAX3Q
Helpless
(Neil Young)
There´s a town in north Ontario
With dream comfort memory
despair
And in my mind I still need a
place to go
All my changes were there
Blue, blue windows behind the
stars
Yellow moon on the rise
Big birds flyin´across the sky
Throwin´ shadows on our eyes
Leave us
Helpless, helpless, helpless
Well, babe, can you hear me
now?
The chains are locked and tied
across my doors
Baby, baby, sing with me
somehow
Blue, blue windows behind the
stars
Yellow moon on the rise
Big birds flyin´across the sky
Throwin´shadows on our eyes
Leave us
Helpless, helpless, helpless
Helpless, helpless, helpless
Helpless, helpless, helpless
Helpless, helpless, helpless
Helpless, helpless, helpless
Desamparados
Há uma cidade no norte do
Ontário
Com conforto e sonhos e
memórias e desespero
E na minha cabeça, eu ainda
preciso de um lugar para ir
- ... veja o Van Gogh, por exemplo. Pobretão, solitário, dependente do irmão, carente, um jeito meio maluco...
Esse juízo a respeito do artista, contudo, é proveniente de uma lógica muito simplista. Incompleta, moldada por um olhar desatento e superficial, ela traduz a visão de quem não enxergou, de quem permaneceu distante.
Don McLean - "Vincent"
https://www.youtube.com/watch?v=vw9d3YlysS0
Ao nos aproximarmos de Van Gogh, ao procurarmos ler a sua alma exposta em sua obra, nós nos deparamos com um homem bonito, visitamos seus apegos. Para ele, penso eu, não foi nada fácil suportar a cegueira que reinava ao seu redor.
Ao pensar na história de vida de van Gogh, sinto que não posso permanecer distante daquele a quem observo, se quero conhecê-lo bem. Chegar mais perto e "mergulhar", é a única maneira de compreender as mensagens de amor - ou desamor - emitidas por alguém.
Nossas manifestações, nossos posicionamentos, nossas palavras, são o retrato fiel daquilo que somos: apaziguadores ou beligerantes? agregadores ou segregacionistas? compreensivos ou radicais? interessantes ou desprezíveis? inspiradores ou vazios? Não sei, somente olhos e corações atentos podem tentar avaliar o que procuram compreender...
- Mas.... e você, consegue ler a obra que produz?
Pensando bem....
- Que bobagem! Para que alguém iria querer gastar seu precioso tempo investigando aquilo ou aquele "que diz tudo em poucas palavras", ou que "dá o recado" em uma única imagem, ou ainda que consegue tirar suas conclusões por uma simples leitura?
Quanto a mim, não consigo permanecer indiferente às publicações e às mensagens daqueles que me são próximos, ou daqueles a quem fui movido a querer conhecer. Elas me afetam. Elas mexem comigo. Elas me transformam. Elas me contam o que há na mente e no coração do autor. Elas têm o poder de promover o meu desejo de aproximação ou de afastamento daquele que a tornou pública. Dedico algum tempo para ir além da simples leitura dos textos que chegam aos meus olhos. Quero compreender a obra. Minha vontade é de que venha desprovida de juízos superficiais e destrutivos; de que promova aproximação; que propague uma mensagem de paz, do mais profundo sentimento de amor e compreensão por tudo e por todos... pois que tudo e todos merecem compreensão - e uma boa dose de compaixão.
No final, porém, percebo que a tendência de querer olhar além nos coloca cada vez mais sozinhos.
- Mas, e então? E você, já parou para pensar no que diz a sua própria obra?
Vincent
(Don McLean)
Starry, starry night
Paint your palette blue and gray
Look out on a summer's day
With eyes that know the darkness in my soul
Shadows on the hills
Sketch the trees and the daffodils
Catch the breeze and the winter chills
In colors on the snowy linen land
Now I understand
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen, they did not know how
Perhaps they'll listen now
Starry, starry night
Flaming flowers that brightly blaze
Swirling clouds in violet haze
Reflect in Vincent's eyes of china blue
Colors changing hue
Morning fields of amber grain
Weathered faces lined in pain
Are soothed beneath the artist's loving hand
Now I understand
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen, they did not know how
Perhaps they'll listen now
For they could not love you
But still your love was true
And when no hope was left in sight
On that starry, starry night
You took your life, as lovers often do
But I could've told you Vincent
This world was never meant for
One as beautiful as you
Starry, starry night
Portraits hung in empty halls
Frame-less heads on nameless walls
With eyes that watch the world and can't forget
Like the strangers that you've met
The ragged men in ragged clothes
The silver thorn of bloody rose
Lie crushed and broken on the virgin snow
Now I think I know
What you tried to say to me
And how you suffered for your sanity
And how you tried to set them free
They would not listen, they're not listening still
Em um encontro recente com um grupo de amigos, comentamos "Viagem aos seios de Duília" (1944) - conto de Aníbal Machado*. Na oportunidade, além de comentarmos o texto literário, falamos também da consideração que o Aníbal Machado tinha pelos seus amigos. Sua consideração era tamanha - e declarada -, que costumava dedicar a eles os contos que escrevia. Assim, por exemplo, "O iniciado do vento" foi dedicado a João Cabral de Melo Neto; "Viagem aos seios de Duília", a Carlos Drummond de Andrade; "O desfile de chapéus", a Rubem Braga; "O acontecimento em Vila Feliz", a Rachel de Queiroz**.
Baden Powell - "Serenata do Adeus" (Vinícius de Moraes)
https://www.youtube.com/watch?v=hDyU86j5-XQ
Aníbal Machado adorava receber amigos em sua casa, na Rua Visconde de Pirajá, 487, no Rio de Janeiro. Sua casa era, então, um ponto de encontro de intelectuais. Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Portinari, Otto Lara Rezende, Rubem Braga, João Cabral de Melo Neto, Moacyr Scliar e Tônia Carrero, dentre tantos, eram alguns de seus frequentadores.
Aníbal Machado foi um grande articulador cultural. Inspirou muita gente a escrever, publicar, montar grupos e peças teatrais. Publicou pouco: um ensaio sobre cinema, alguns contos, um livro de reflexões filosóficas ("Cadernos de João") e, postumamente, por iniciativa de uma de suas filhas, o romance "João Ternura".
Otto Maria Carpeaux***, em "Presença de Aníbal"****, assim se refere a ele:
"(...) um homem trepidante, falando com velocidade de fígaro, temperamento exuberante, pedindo notícias, dando notícias, espalhando ideias, sugestões, um grande conversador, não aparenta sua idade, parece um jovem entusiasmado pelas letras, pela poesia, pelo teatro, pelo cinema, seu riso contamina a gente, é uma mocidade eterna e assim o guardamos para sempre na memória (...)."
Ainda há pouco, relendo "Balada em prosa de Aníbal Machado", em texto de Carlos Drummond de Andrade*****, uma descrição de sua casa, que já não existe mais, reabriu para mim os seus portões - e os portões de tantas outras casas tais, que visitei.
- Casas assim, como a de Aníbal, tão cheias de vida e inspiração, não poderiam desaparecer - nem as casas, nem os "Aníbais".
Eis então que, passeando pelas páginas de "João Ternura", vi-me à porta do imóvel da Rua Visconde do Pirajá, 487, em um Rio de outros tempos. Passei pelos portões, atravessei os jardins, troquei passos curtos, entrei e procurei ouvir o distinto morador...
- Não, não era assim, vazia, que Aníbal gostava de ver sua casa...
Hoje, sua casa está nos alicerces de um enorme edifício, ou muito acima de seu terraço. Imaterializada em seu piso desmanchado, limitada por paredes sem tijolos, arejada por janelas derrubadas, e protegida pelo forro de madeira comido por traças, eu vos convido para que entrem nesta casa que ninguém mais vê... e também para que procurem ouvir as animadas conversas que ficaram guardadas em suas estruturas que não existem mais...
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*Aníbal Machado (1894-1964) escritor, professor e crítico de arte
**Contos publicados em "A morte da porta-estandarte e Tati , a Garota, e outras histórias" (Ed. José Olympio, 5. ed., 1973)
**publicado na apresentação de "João Ternura" (Ed. José Olympio, 3.ed., 1976)
*** Otto Maria Carpeaux, (1900-1978) - Nascido Otto Karpfen, foi jornalista, ensaísta, crítico literário, de arte e de música, historiador literário, nasceu em Viena, Áustria, e naturalizou-se brasileiro.
****Texto publicado na apresentação de "João Ternura" (Ed. José Olympio, 3.ed., 1976, p.XIII)
("A cyclist on the beach" - França, Nord-Pas-de-Calais - postada no facebook por Lincoln Franco - fonte: https://500px.com/photo/135174331/the-cyclist-by-winterlight-photography )
"A Terra é azul"
(Yuri Gagarin)
Meu Deus... Que música! Que interpretação! Música e interpretação desesperadoramente lindas! Lindas e tristes ao mesmo tempo.
De onde veio tanta inspiração?
(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Mercedes Sosa - "Azul Provinciano", de Pancho Cabral)
Ao ouvir "Azul Provinciano", interpretada pela Mercedes Sosa, tenho vontade de conseguir me alojar na mente do autor.
Não, não na mente. Pois "mente" implica em raciocínio, em elaboração que produz resultado. Não, não me serviria o racional. Meu anseio seria a detecção do instinto, do estágio primitivo, natural e irracional. Seria necessário adentrar na alma do autor. Na alma, onde, originariamente, os sentimentos e as sensações fluem sem elaboração. Somente instalado em sua alma eu poderia descobrir onde ele se encontrava e o que sentia quando a compôs. Queria poder sentir o mesmo...
Procuro compreender o estímulo interior que o levou a compô-la. Para onde olhava? O que enxergava?
Estava acompanhado? Não, não creio que houvesse alguém ao seu lado. As atenções não poderiam estar divididas.
Estava triste? Não, não poderia estar. O azul ao seu redor não permitiria isso...
Estava inteiramente feliz? Também não creio que estivesse. O azul natural inspira beleza. E o belo, se verdadeiramente belo, faz doer. A felicidade não é dotada de exclusividade.
Ele olhava para o azul, para o encontro do céu com a Terra. Via andorinhas, ouvia sinos, vidalas de adeus.
E nesse estado, estava tomado de luz e de humanidade.
Certamente estava só! Só e iluminado!
Pois estando assim, iluminado, o homem se engrandece, ascende ao infinito e embeleza o universo - como ocorreu com Pancho Cabral ao compor "Azul Provinciano".
(Mercedes Sosa - "Todo cambia", de Julio Numhauser - chileno)
https://www.youtube.com/watch?v=0khKL3tTOTs
(publicado em 13/julho/2016)
"Tantas veces me mataron,
tantas veces me mori
Sin embargo estoy aqui
resucitando"
(da letra de "Como la cigarra"*)
Há uns oito ou dez anos, por aí, vi a notícia de que a Mercedes Sosa viria a São Paulo para um show no "Via Funchal". Como as músicas por ela gravadas, assim como as gravadas pelo Chico Buarque, pela Billie Holiday, e pelo John Lennon fizeram parte do despertar dos meus valores, convidei meu sobrinho para juntos irmos vê-la. A oportunidade era única. Providenciei o ingresso, peguei um ônibus, e depois de 300 quilômetros de estrada, com meu sobrinho, saímos para o show.
Em um auditório enorme, lotado, amparada por duas pessoas e ainda apoiando-se em uma bengala, “La Negra”** entrou no palco. Sentou-se, sorriu, e abriu sua apresentação com “Como la cigarra” - uma música que fala de solidariedade e renascimento - do renascimento que ela parecia experimentar a cada vez que começava a cantar.
(Ingresso para o show - foto: arq. pessoal)
Apesar das limitações físicas, a voz era a mesma que me havia ensinado a admirá-la. Na força e na docilidade de seu canto ainda estavam presentes, ideologicamente, uma arma para lutar pela vida e um ramalhete de flores para agradecer por tudo. A medida que as músicas iam sendo apresentadas eu cantava mentalmente com ela tudo o que conhecia: "Gracias a la vida", "Todo Cambia", "Ay este azul", "Alfonsina y el mar", "Solo le pido a Dios"... e muitas, muitas outras. Foram duas horas inesquecíveis.
No ano seguinte àquele show ela foi embora. Partiu para sempre. Ficaram a voz, a lembrança daquela noite, e as lições de solidariedade e beleza contidas nas letras das músicas por ela gravadas... e que eu costumava ouvir sob uma luz minguada de uma república de estudantes, no final dos anos 70.
Todo Cambia
Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo
Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño
Cambia el más fino brillante
De mano en mano su brillo
Cambia el nido el pajarillo
Cambia el sentir un amante
Cambia el rumbo el caminante
Aúnque esto le cause daño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia el sol en su carrera
Cuando la noche subsiste
Cambia la planta y se viste
De verde en la primavera
Cambia el pelaje la fiera
Cambia el cabello el anciano
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño
Pero no cambia mi amor
Por más lejo que me encuentre
Ni el recuerdo ni el dolor
De mi pueblo y de mi gente
Lo que cambió ayer
Tendrá que cambiar mañana
Así como cambio yo
En esta tierra lejana
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Pero no cambia mi amor
Tudo Muda
Muda o superficial
Muda também o profundo
Muda o modo de pensar
Muda tudo neste mundo
Muda o clima com os anos
Muda o pastor e seu rebanho
E assim como tudo muda
Que eu mude não é estranho
Muda o mais fino brilhante
De mão em mão seu brilho
Muda o ninho o pássaro
Muda a sensação de um amante
Muda o rumo o andarilho
Ainda que isto lhe cause dano
E assim como tudo muda
Que eu mude não é estranho
Muda tudo muda
Muda tudo muda
Muda tudo muda
Muda tudo muda
Muda o sol em sua corrida
Quando a noite o substitui
Muda a planta e se veste
De verde na primavera
Muda a pelagem a fera
Muda o cabelo o ancião
E assim como tudo muda
Que eu mude não é estranho
Mas não muda meu amor
Por mais distante que eu me encontre
Nem a recordação nem a dor
De meu povo e de minha gente
O que mudou ontem
Terá que mudar amanhã
Assim como eu mudo
Nesta terra tão longínqua
Muda tudo muda
Muda tudo muda
Muda tudo muda
Muda tudo muda
Mas não muda meu amor...
________________________________ *"Como la cigarra" (de Maria Elena Walsh - poetisa, musicista e escritora argentina): tantas vezes me mataram, tantas vezes me deixei morrer, no entanto estou aqui, renascendo. **La Negra - apelido carinhoso dado à Mercedes Sosa.