Seguidores

quarta-feira, 28 de julho de 2021

FEITINHAS PARA O POETA


https://brasilescola.uol.com.br/biografia/vinicius-moraes.htm


    Com quase 8 bilhões de habitantes, muita gente passa por este planeta sem deixar suas marcas ou sua memória no coração das pessoas. Há muitos que permanecem por algum tempo, mas poucos são aqueles que, independentemente do passar dos anos, ou até mesmo dos séculos, já tendo partido, continuam sendo tema de debates e de rodas de conversa, como se fossem faróis a indicarem rumos para serem seguidos e, periodicamente, reformulados. É o caso de Jesus Cristo, Maomé e Lutero, na religião; de Sócrates, Platão e Voltaire, na filosofia; Einstein, Pasteur e Marie Curie, nas ciências; Alexandre, Mandela e Washington, na política; Beethoven e Bach, na música; Van Gogh, Monet e Picasso, na pintura; Shakespeare, Dostoievski e Garcia Marquez, na literatura. Aqui no Brasil também temos exemplos assim: Rondon, Darcy e os irmãos Villas-Boas, indigenistas; Villa-Lobos e Tom Jobim, na música; Portinari e Di Cavalcanti, na pintura; Machado de Assis e Clarice Lispector, na literatura; Pelé, no futebol... e tantos e tantas outras, em diversos outros campos.

    Mas para mim, especificamente, aqui do Brasil, uma das celebridades que é constante em meus pensamentos e em minha inspiração é o poeta Vinícius de Moraes. 

    Foi pensando nele, no Vinícius de Moraes, que na semana passada fui à música popular brasileira pesquisar canções que, literalmente, mencionam o seu nome, ou mesmo que façam alguma referência a ele utilizando formas carinhosas tais como "poeta" ou "poetinha".*

CLIQUE NA SETA PARA OUVIR
Vinícius no plural: samba poesia e carnaval (samba concorrente) União da Ilha, Carnaval 2013
https://www.youtube.com/watch?v=g-Fx6D-V3A8
 
    Logo no início das pesquisas me revi ainda criança, cantando, com o Jongo Trio na vitrola e com o meu pai ao meu lado, a namorada que o Baden Powell e o Lula Freire sonharam ter - em "Feitinha pro poeta": 

"Ah quem me dera ter a namorada que fosse para mim a madrugada, de um dia que seria a minha vida (...) que seja na medida, e nada mais, feitinha pro Vinícius de Moraes (...)";

    Mas como nem sempre a namorada que se imagina ter é tal qual aquela que se idealiza, a Elis cantou as afirmações feitas pelo mesmo Baden Powell, juntamente com o Paulo César Pinheiro, em "Falei e disse", quando deixam bem claro que tal qual a namorada sonhada pelo Vinícius, é difícil de se encontrar: 

"mulher, se Deus não criasse você, ele próprio custava crer; mas só que tem, que não dá pé você ser a mulher de quem Vinícius falou" (em "Falei e disse").

    O Chico Buarque e o Toquinho não deixaram por menos: nos anos áureos das grandes apresentações em ginásios de esportes e teatros de arena, eles homenageavam o poeta com pedidos de desculpas pela composição improvisada... anunciando o ingresso do poeta nos palcos onde se apresentavam:

"Poeta, poetinha vagabundo, quem dera todo mundo fosse assim feito você, que a vida não gosta de esperar, a vida é pra valer, a vida é pra levar, Vinícius, velho, Saravá!"

    E assim chamado, o poeta com o copo cheio de uísque, oferecido aos céus, ingressava nos palcos da vida, dançando e sorrindo, sob aplausos das plateias por ele encantadas.

    No período do "Brasil grande", do "ninguém segura este país", o compositor Benito di Paula dirigiu-se ao "Charlie Brown", personagem de histórias em quadrinhos de muita má sorte, mas dotado de inesgotáveis esperanças e determinação, oferecendo-se para mostrar a ele o Brasil, suas belezas, e todas as marcas de sua cultura. Nestes termos, dirigindo-se ao Charlie Brown, Benito di Paula mencionou o poeta:  

"Se você quiser, vou lhe mostrar, Vinícius de Moraes e o som de Jorge Ben; se você quiser, vou lhe mostrar, Brasil de ponta a ponta, do meu coração"

    A banda Língua de Trapo, com seu trabalho marcado por humor e crítica social, também colocou o Vinícius em sua música e, parodiando o "Soneto da Fidelidade", assim cantou em "Balada Cibernética", composta por Carlos Melo e Cassiano Roda:

"De tudo ao meu computador serei atenta, antes, e com tal zelo, e sempre e de modo terno, que mesmo diante de um modelo moderno, dele serei sempre a tieta mais sedenta (...) Que não seja imortal, posto que é fabricado em Manaus, mas que seja infinito enquanto dure a garantia"

    Chico Buarque, inspirado pelo sopro do maestro soberano, Antônio Carlos Jobim, quando compôs "Paratodos", prescreveu o poeta contra algumas das mazelas da vida:

"Vi cidades, vi dinheiro, bandoleiros, vi hospícios, moças feito passarinho, avoando de edifícios, fume Ary, cheire Vinícius, beba Nelson Cavaquinho"

    Em 2013, mais de trinta anos depois da partida do poeta, a Escola de Samba União da Ilha, com o samba enredo escolhido: "Vinícius no plural. Paixão, Poesia e Carnaval" (composta por Ginho, Júnior, Vinícius do Cavaco, Eduardo Conti, Professor Hugo e Jair Turra), ao desfilar pela Avenida Sapucaí, no Rio de Janeiro, fez toda a plateia nas arquibancadas perguntar cantando:

"Onde anda você, 'poetinha', saudade mandou te buscar, a Ilha é paixão na Avenida, mais que nunca é preciso cantar"

    Muitos outros sambas, tendo Vinícius como tema, foram compostos para concorrerem na seleção do samba-enredo da Escola de Samba União da Ilha para aquele mesmo concurso de carnaval. E foram sambas muito bons. Um deles, composto por Franco Cava, Muri Cova e outros, dizia o seguinte:

"Quando a luz dos olhos teus, seduz o luar! a noite vai se apaixonar! estrelas! derramem pra mim! Na mesa de um bar, poemas sem fim! Vinícius, paixão imortal! É o show da Ilha nesse Carnaval!"

    E como se tudo isso já não bastasse, José Messias, morrendo de paixão, e inspirado pelo poeta, pediu emprestado o olhar, a boca, o sorriso e as mãos de uma mulher, por ele amada, para que ele pudesse sentir a vida:

"Empresta o seu sorriso, e eu te darei o céu se for preciso... empresta (...) Estou apaixonado, como quem precisa ouvir Vinícius de Moraes cantado por Maysa"

    Não creio que as lembranças e as homenagens ao poeta tenham parado por aí. Vinícius continua inspirando compositores e escritores, aquecendo ou fazendo bater forte corações apaixonados e, especialmente, promovendo em torno de seu nome e de sua obra a reunião de seus leitores, admiradores e amigos espalhados por todos os cantos do mundo - e nesse grupo, com muito prazer, eu me incluo!

___________________________ 
*Caso você, meu amigo leitor, consiga se lembrar de alguma outra canção de compositor, que não o Vinícius, que mencione o seu nome, e que não conste aqui, conte pra gente. 

- Depois de publicado este texto, encontrei "Nossa homenagem", do Benito di Paula - um sambinha muito legal

sábado, 17 de julho de 2021

PONTE NOVA E AS LAVADEIRAS

domingo, 8 de janeiro de 2012

("Viajando p'rá Minas" - arq. pessoal - 2009)


“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o oprimem”.
(Bertold Brecht)



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Sinceridade" - João Bosco - do disco "Bosco", 1989)



Viajar para Minas é deixar o olhar se perder no horizonte - muito embora, às vezes, o horizonte não passe de um morro à nossa frente. A gente vai passando por cidadezinhas, lugarejos e povoados na beira da estrada, subindo e descendo estrada e, inevitavelmente, sente o Monteiro Lobato cutucar a mente da gente com o título de um de seus livros: “Cidades Mortas”.

É certo que cada cidade tem seu ritmo próprio, sua pulsação própria, seus personagens próprios – tal como todas as outras cidades pequenas em qualquer parte do Brasil. Mas, olhando assim, de dentro de um carro em movimento, as cidades e seus habitantes parecem parados, distantes, como se estivessem reverenciando a nossa passagem. Por esse motivo, ao cruzar com algum andarilho pelas estradas buzino e aceno, na expectativa de que esse aceno promova vida e seja retribuído – e, no mais das vezes, é.

Em uma das minhas viagens, perdido em pensamentos assim, a rodovia me conduziu para dentro de uma cidade cujo desenvolvimento deu-se às margens de um rio. Uma ponte sobre ele liga as duas partes da cidade, e uma balaustrada com palmeiras na calçada acompanha o seu curso. Ponte Nova! Cidade de Ponte Nova.

(Ponte Nova, MG - fonte: pontenova.mg.gov.br)

Fiquei tentando me localizar na cidade, mas achei isso muito estranho. Nunca havia estado ali. E porque fazia essa tentativa? Algo naquele lugar me parecia familiar: a ponte, o rio e o curso das águas me levavam de volta a uma entrevista em um programa de televisão visto havia muitos anos. Não me lembro quando, nem tampouco qual era o programa. Nele, o João Bosco[i] falava de sua vida e de sua cidade natal: Ponte Nova.

Engraçado como as coisas adquirem um outro significado quando a gente encontra nelas algum elo de ligação. Pois o João Bosco, pela sua entrevista, havia se tornado o meu vínculo com Ponte Nova. Nos seus comentários ele falava de algumas de suas composições e, especificamente, apresentava uma versão sua para o bolero “Sinceridad”[ii]. Ele contava que sua letra para a versão foi inspirada na imagem do curso manso das águas do rio Piranga - que cruza Ponte Nova - e na observação de algumas lavadeiras que nos finais de tarde cantarolavam às suas margens.

Como era ainda final de tarde e eu estava às margens do rio Piranga, não resisti: dei meia volta no carro e saí à procura das lavadeiras de beira de rio sobre as quais o João Bosco havia falado... Para mim isso tudo parecia fantasia. Mas não é que logo eu as vi, de verdade, nas margens do rio!?!? O imaginário fundiu-se com o real. Desci do carro e, por alguns instantes, cantando mentalmente o bolero, fiquei olhando o rio e as lavadeiras.

Depois voltei para o carro e segui viagem contente, guardando a cidade, o rio e as lavadeiras nas minhas histórias de vida.

Sempre que passo pela ponte sobre o rio Piranga, na cidade de Ponte Nova, olho para ambos os lados e digo para mim mesmo que em algum lugar nas margens daquele rio algumas senhoras cantarolam enquanto lavam roupas - tal como a lavadeira na lagoa do Abaeté, na Bahia, na canção do Dorival Caymmi (“A lenda do Abaeté” – 1954).

No começo dessa semana, debaixo de chuva, passei por Ponte Nova e vi a cidade inquieta. Os habitantes estavam assustados olhando o rio que havia subido ao nível da calçada e estava na iminência de transbordar - como de fato transbordou. Tudo isso foi mostrado nos jornais de televisão. As imagens vistas não foram nada boas, as águas não eram nada mansas, parte da cidade ficou alagada, não havia nenhuma lavadeira.

Apesar disso, do conforto da poltrona de casa onde me encontro, revejo o rio enquanto ouço o bolero: neles estão, inarredavelmente, as águas mansas e as lavadeiras. Afinal, “as coisas não estão no espaço; as coisas estão é no tempo (...) e o tempo está é dentro de nós[iii].  


[i] João Bosco – compositor, violonista e cantor de MPB
[ii]  “Sinceridad” – do nicaragüense Gastón Perez

[iii]ANJOS, Cyro dos. O AMANUENSE BELMIRO. São Paulo: Abril Cultural, 1983. pg. 86   

sexta-feira, 9 de julho de 2021

BAALBEK: DAS RUÍNAS AO FESTIVAL

 

Templo de Júpiter - Baalbek
https://no.wikipedia.org/wiki/Fil:Baalbek_-_temple_of_Jupiter.jpg

     Baalbek sempre foi, para mim, um aperto no peito, um afeto distante, um sentimento inspirado pelas imagens existentes em um anel dourado e negro, exibido no dedo anular da mão esquerda do Sr. Houssain - um imigrante libanês que viveu na minha terra natal e que, carinhosamente, dirigia-se a mim chamando-me "Beduíno"... Baalbek também foi o olhar impreciso do jovem libanês Chafic que, então recém chegado à minha cidadezinha, declamava versos de Khalil Gibran e procurava cuidar de sua própria construção.


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR E ASSISTIR

Ruínas de Baalbek
https://www.youtube.com/watch?v=dgxN5SgEQv0

     Além da estampa no anel do sr. Houssain ou do olhar distante do Chafic, Baalbek é uma cidade fenícia situada a Noroeste de Beirute, capital do Líbano, e que remonta a muitos anos antes de Cristo. Os romanos a conquistaram, também e ainda, antes de Cristo. Como meio de demonstrar ao Oriente, naquela época, o poder de sua cultura, os romanos nela construíram grandes templos - o maior complexo de templos daquele Império, os quais foram, depois, destruídos por terremotos. No local onde suas ruínas se encontram, um dos festivais culturais mais importantes do Oriente Médio é realizado anualmente, desde 1955: o Festival Internacional de Baalbek.


Baalbek - Templo de Baco
https://www.spiritusmundi.com.br/15-razoes-para-conhecer-o-libano/

     Hoje assisti, ao vivo e on line, a transmissão desse Festival. A região libanesa denominada "vale do Bekaa", onde Baalbek está localizada, trouxe-me de volta o anel do sr. Houssain e o olhar impreciso do Chafic. Isso porque, hoje, veio de Baalbek uma voz, um canto, uma ligação do homem com a eternidade... As apresentações no espetáculo trouxeram a expressão da força da cultura libanesa... Guitarras, tambores, instrumentos de sopro, teclados... Baalbek foi hoje a voz da humanidade, a voz de uma nova geração que visitou seus antepassados, que se reinventou, que se levantou, e que mostrou a genialidade criativa do povo daquele país... daquele país que cabia, por inteiro, no anel de um imigrante, e no olhar de um desbravador.