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sábado, 17 de julho de 2021

PONTE NOVA E AS LAVADEIRAS

domingo, 8 de janeiro de 2012

("Viajando p'rá Minas" - arq. pessoal - 2009)


“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o oprimem”.
(Bertold Brecht)



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Sinceridade" - João Bosco - do disco "Bosco", 1989)



Viajar para Minas é deixar o olhar se perder no horizonte - muito embora, às vezes, o horizonte não passe de um morro à nossa frente. A gente vai passando por cidadezinhas, lugarejos e povoados na beira da estrada, subindo e descendo estrada e, inevitavelmente, sente o Monteiro Lobato cutucar a mente da gente com o título de um de seus livros: “Cidades Mortas”.

É certo que cada cidade tem seu ritmo próprio, sua pulsação própria, seus personagens próprios – tal como todas as outras cidades pequenas em qualquer parte do Brasil. Mas, olhando assim, de dentro de um carro em movimento, as cidades e seus habitantes parecem parados, distantes, como se estivessem reverenciando a nossa passagem. Por esse motivo, ao cruzar com algum andarilho pelas estradas buzino e aceno, na expectativa de que esse aceno promova vida e seja retribuído – e, no mais das vezes, é.

Em uma das minhas viagens, perdido em pensamentos assim, a rodovia me conduziu para dentro de uma cidade cujo desenvolvimento deu-se às margens de um rio. Uma ponte sobre ele liga as duas partes da cidade, e uma balaustrada com palmeiras na calçada acompanha o seu curso. Ponte Nova! Cidade de Ponte Nova.

(Ponte Nova, MG - fonte: pontenova.mg.gov.br)

Fiquei tentando me localizar na cidade, mas achei isso muito estranho. Nunca havia estado ali. E porque fazia essa tentativa? Algo naquele lugar me parecia familiar: a ponte, o rio e o curso das águas me levavam de volta a uma entrevista em um programa de televisão visto havia muitos anos. Não me lembro quando, nem tampouco qual era o programa. Nele, o João Bosco[i] falava de sua vida e de sua cidade natal: Ponte Nova.

Engraçado como as coisas adquirem um outro significado quando a gente encontra nelas algum elo de ligação. Pois o João Bosco, pela sua entrevista, havia se tornado o meu vínculo com Ponte Nova. Nos seus comentários ele falava de algumas de suas composições e, especificamente, apresentava uma versão sua para o bolero “Sinceridad”[ii]. Ele contava que sua letra para a versão foi inspirada na imagem do curso manso das águas do rio Piranga - que cruza Ponte Nova - e na observação de algumas lavadeiras que nos finais de tarde cantarolavam às suas margens.

Como era ainda final de tarde e eu estava às margens do rio Piranga, não resisti: dei meia volta no carro e saí à procura das lavadeiras de beira de rio sobre as quais o João Bosco havia falado... Para mim isso tudo parecia fantasia. Mas não é que logo eu as vi, de verdade, nas margens do rio!?!? O imaginário fundiu-se com o real. Desci do carro e, por alguns instantes, cantando mentalmente o bolero, fiquei olhando o rio e as lavadeiras.

Depois voltei para o carro e segui viagem contente, guardando a cidade, o rio e as lavadeiras nas minhas histórias de vida.

Sempre que passo pela ponte sobre o rio Piranga, na cidade de Ponte Nova, olho para ambos os lados e digo para mim mesmo que em algum lugar nas margens daquele rio algumas senhoras cantarolam enquanto lavam roupas - tal como a lavadeira na lagoa do Abaeté, na Bahia, na canção do Dorival Caymmi (“A lenda do Abaeté” – 1954).

No começo dessa semana, debaixo de chuva, passei por Ponte Nova e vi a cidade inquieta. Os habitantes estavam assustados olhando o rio que havia subido ao nível da calçada e estava na iminência de transbordar - como de fato transbordou. Tudo isso foi mostrado nos jornais de televisão. As imagens vistas não foram nada boas, as águas não eram nada mansas, parte da cidade ficou alagada, não havia nenhuma lavadeira.

Apesar disso, do conforto da poltrona de casa onde me encontro, revejo o rio enquanto ouço o bolero: neles estão, inarredavelmente, as águas mansas e as lavadeiras. Afinal, “as coisas não estão no espaço; as coisas estão é no tempo (...) e o tempo está é dentro de nós[iii].  


[i] João Bosco – compositor, violonista e cantor de MPB
[ii]  “Sinceridad” – do nicaragüense Gastón Perez

[iii]ANJOS, Cyro dos. O AMANUENSE BELMIRO. São Paulo: Abril Cultural, 1983. pg. 86   

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