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domingo, 19 de junho de 2022

O DIA DO CINEMA BRASILEIRO


https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-do-cinema-brasileiro.htm

    O que faria uma pessoa inteligente que estivesse chegando no Brasil em 1898, dois anos do final do século XIX, com um cinematógrafo em mãos? E se essa pessoa, com esse cinematógrafo em mãos, estivesse adentrando a Baia de Guanabara a bordo de um navio? E se fosse um dia ensolarado? Diante de tanto estímulo visual, para onde essa pessoa direcionaria seu olhar? A Oeste veria a cidade do Rio de Janeiro; a Leste, Niterói; ao Norte, a Ilha do Governador... E ali, diante de seus olhos, o Pão de Açúcar e o Morro da Urca. Para não se esquecer de nada...


https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4763

    Então!

    Foi isso mesmo que essa pessoa, chamada Afonso Segreto, fez: a partir do navio no qual viajava, vindo da Europa, registrou em imagens que se moviam a entrada na Baia de Guanabara. Era o dia 19 de junho de 1898. Apesar de algumas controvérsias, as imagens que captou naquele dia são consideradas as primeiras imagens cinematográficas tomadas no Brasil.

    A partir daí o cinema brasileiro foi montado e projetado sob ideias e propósitos diversos: do cinema mudo passamos aos "posados" e "cantados", adaptamos textos literários para as telas; por diversos cantos do Brasil pensamos e trabalhamos o cinema (ciclos regionais); projetamos nas telas as chanchadas; expusemos nossa realidade no "cinema novo"; zombamos de tudo e de todos no "cinema marginal"; apelamos para a pornochanchada; e depois de um período de grandes dificuldades, voltamos a insistir com o cinema nacional para, no presente, nos encontrarmos jogados no fundo de um abismo.

    Mas... resistimos! Há mentes brilhantes e cineastas geniais no Brasil. Pela telona, e com o estímulo do Estado, o nosso povo, as nossas paisagens e a nossa cultura podem correr mundo. Somos o país que queremos fazer - ou que pelo menos tentamos.

    Nesse 19 de junho, as nossas homenagens ao cinema brasileiro.


sábado, 18 de junho de 2022

AZUL PROVINCIANO ("AY, ESTE AZUL")

 

("A cyclist on the beach" - França, Nord-Pas-de-Calais - postada no facebook por Lincoln Franco - fonte: https://500px.com/photo/135174331/the-cyclist-by-winterlight-photography )



"A Terra é azul"
(Yuri Gagarin)


     Meu Deus... Que música! Que interpretação! Música e interpretação desesperadoramente lindas! Lindas e tristes ao mesmo tempo.

     De onde veio tanta inspiração?


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
https://www.youtube.com/watch?v=TZUVSb4gF8I
(Mercedes Sosa - "Azul Provinciano", de Pancho Cabral)


     Ao ouvir "Azul Provinciano", na interpretação da Mercedes Sosa, tenho vontade de conseguir me alojar na mente do autor.

     Não, não na mente. Pois "mente" implica em raciocínio, em elaboração que produz resultado. Não, não me serviria o racional. Meu anseio seria a detecção do instinto, do estágio primitivo, natural e irracional. Seria necessário adentrar na alma do autor. Na alma, onde, originariamente, os sentimentos e as sensações fluem sem elaboração. Somente instalado em sua alma eu poderia descobrir onde ele se encontrava e o que sentia quando a compôs. Queria poder sentir o mesmo... 

     Procuro compreender o estímulo interior que o levou a compô-la. Para onde olhava? O que enxergava?

     Estava acompanhado? Não, não creio que houvesse alguém ao seu lado. As atenções não poderiam estar divididas.

     Estava triste? Não, não poderia estar. O azul ao seu redor não permitiria isso...

     Estava inteiramente feliz? Também não creio que estivesse. O azul natural inspira beleza. E o belo, se verdadeiramente belo, faz doer. A felicidade não é dotada de exclusividade.

     Ele olhava para o azul, para o encontro do céu com a Terra. Via andorinhas, ouvia sinos, vidalas de adeus.

     E nesse estado, estava tomado de luz e de humanidade.

     Certamente estava só! Só e iluminado!

     Pois estando assim, iluminado, o homem se engrandece, ascende ao infinito e embeleza o universo - como ocorreu com Pancho Cabral ao compor "Azul Provinciano". 
   


Azul Provinciano (Ay Este Azul)
(Pancho Cabral)

Ay, este azul
Que les quiero contar como fue
Por momentos se queda en mi piel
Ilustrándome el paisaje aquel.

Ay, este azul
Golondrina que vuelve otra vez
Musicando mi zaguán de ayer
A esperarme de barco en la sed.

Ay, este azul
Provinciano se quiebra en mi voz
Como antigua vidala en adiós
Como un breve puñado de sol.

Ay, este azul
Ay, este azul

Ay, este azul
Que ha llegado a iniciarme en la luz
Con campanas de asombro tal vez
Habitando lo que nunca fue.

Ay, este azul, este azul
Es un verde también
Resolana brillando en el pez
Con un silbo enredado en la piel.

Ay, este azul
Solo quiere quedarse en mi voz
Como un duende mojándome
Y en vez
Este azul es un niño tal vez
Azul Provinciano (Ai Este Azul)


Ai, este azul
Eu quero lhes contar como foi
Por momentos fica na minha pele
Ilustrando aquela paisagem.

Ai, este azul
Andorinhas que voltam outra vez
musicando meu corredor ontem
a me esperar no barco na sede.

Ai, este azul
Provinciano se quebra na minha voz
Como antiga "vidala" no adeus
Como um breve punhado de sol.

Ai, este azul
Ai, este azul

Ai, este azul
Que há chegado a introduzir-me na luz
Com sinos de assombro talvez
habitando o que eu nunca fui

Ai, este azul
é um verde também
"Rosolana" brilhando no peixe
Com um apito amaranhado na pele.

Ai, este azul
só quer ficar com minha voz
como um duende molhandome
e em vez
Este azul é um menino talvez


quinta-feira, 16 de junho de 2022

UMA SENHORA LIMPA A CIDADE


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
(Suite 1 para violoncelo, de J. S. Bach - violoncelista: Yo Yo Ma)
https://www.youtube.com/watch?v=q2ZHjSA8mkY
     
     As ruas da cidade são o retrato da nossa miséria. Atiramos sobre elas os restos daquilo que desprezamos, como se quiséssemos expor a nossa imperfeição. São pedaços de papel, tocos de cigarro, cascas e caroços de frutas, folhetos promocionais, e tudo o que julgamos desnecessário...

     Eu caminho sempre pela mesma calçada, e muitas vezes vejo uma mesma funcionária do serviço público de limpeza. Ela varre a cidade e, atentamente, realiza seu serviço removendo resíduos que impiedosamente atiramos pelo chão... Todas as vezes que passo por ela tento ser visto para poder cumprimentá-la. Minha vontade é de atrair sua atenção para que perceba que reconheço a importância do seu trabalho, e também para que compreenda que nem ela e nem o resultado daquilo que faz são invisíveis. 

(Funcionária da Limpeza Pública - foto: acervo pessoal - jul/14)
 
     Ao passar por ela me encolho. Sinto vergonha. Vergonha pelo que vejo jogado no chão, e pela postura humilde que ela assume com a vassoura na mão. Mesmo não tendo sido autorizado para tanto, quero pedir-lhe desculpas em nome de todos. Mas ela não me vê - ou cuida para que eu não a veja - ... e segue varrendo, limpando, recolhendo restos, com a mente sabe-se lá onde.

     Imagino a angústia que carrega alguém quando percebe que, de seu trabalho, não vai haver um resultado final. Que todos os dias, depois de algumas horas, ao olhar para tudo o que foi feito, sabe que precisa recomeçar... 

     Mas aquela senhora da limpeza pública já se acostumou com a imperfeição e a indiferença de todos nós. Ela segue varrendo, limpando, recolhendo restos, como se estivesse cuidando do chão de sua própria casa. Sem os estímulos de reconhecimento de quem por ali passa, ela parece não ter noção da essencialidade do que faz. 

     Quanto a nós, que nos anestesiamos da capacidade de enxergar além, resta-nos aprender a realizar nosso próprio trabalho independente de aplausos, como faz aquela senhora... como se fôssemos, cada um de nós, e todos nós em conjunto, músicos de uma mesma orquestra... que, de um palco sem luzes, toca e encanta em um auditório vazio...


(Auditório Cláudio Santoro - Campos do Jordão/SP - foto: acervo pessoal)


quinta-feira, 9 de junho de 2022

ARTUR DA TÁVOLA


Artur da Távola
https://www.facebook.com/205471092873653/photos/a.205471339540295/2896449627109106/

    Do final do ano de 1999 até o falecimento do apresentador, em 2008, eu costumava assistir, semanalmente, a um programa na TV Senado chamado "Quem tem medo da música clássica?"

    O programa, que ia ao ar tarde da noite, era apresentado pelo então senador fluminense, poeta, professor e advogado, Artur da Távola - pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros (1936-2008). Foi nesse programa que conheci um pouco da história de muitos dos grandes compositores e suas obras, assisti a alguns concertos gravados por orquestras renomadas, e conheci muitos instrumentos musicais.

    Há anos a TV Senado montou e comercializou um kit contendo DVDs com as gravações de alguns desses programas. Na época eu quis adquirir esse kit para poder rever, sempre que quisesse, os programas gravados que tanto me agradavam, mas nunca consegui encontrá-lo.

    Lembrei-me desse programa agora, enquanto lia "Vida de Cinema" - livro do cineasta Cacá Diegues (Ed. Objetiva, 2014). Nesse livro o autor revê sua vida e seu trabalho, e comenta sobre as pessoas que o influenciaram e que foram importantes em sua trajetória: um deles o Artur da Távola, que foi seu amigo na PUC-RJ. Por intermédio do "Quem tem medo da música clássica?", da TV Senado (e, posteriormente, pelos seus livros), assumo que nunca fui indiferente ao Artur da Távola: ele também foi importante para a minha formação.

    Bom... tudo isso só para contar que, por medo de não reencontrá-lo mais, quero deixar guardado aqui um dos programas que assisti. Assim, egoisticamente, reservo a mim o privilégio de poder encontrá-lo com facilidade para poder revê-lo sempre que o desejar.

    Espero que todo aquele que tiver acesso a esta pequena publicação também possa se sentir inspirado a viajar pela música clássica, desenvolvendo, inclusive, um gosto significativo por ela. Recomendo que o vídeo seja assistido à luz de apenas um pequeno abajur, em silêncio, na companhia de ninguém mais a não ser de si mesmo... Se for madrugada, melhor ainda. Afinal, nas palavras do próprio Artur da Távola, "música é vida interior, e quem tem vida interior, jamais padece de solidão".

    - Voilà! 

https://www.youtube.com/watch?v=TIfs1TXcQ6w


quarta-feira, 1 de junho de 2022

UMA PALAVRA, TANTAS PALAVRAS


Chico Buarque - "Tantas palavras" (Chico Buarque/Dominguinhos)
https://www.youtube.com/watch?v=kHtDrbxtBC0


Uma palavra
tantas palavras,
as minhas palavras,
todas as palavras.

Uma palavra prima,
só, solta, direta...
uma ideia!

Uma palavra firme,
forte, decisiva, conclusiva,
incisiva.

Uma palavra concisa,
indecisa,
imprecisa.

De uma palavra, um sentimento.
Uma palavra, uma leitura.

Da palavra, um grito;
da palavra, um sussurro;
da palavra, um apelo;
da palavra, uma súplica;
da palavra, um canto.

Tantas palavras,
tantas pontes possíveis,
tantas interpretações:
quantas distorções!

Nas minhas palavras,
as minhas mensagens,
o meu desejo de ser ouvido.

Na palavra que pronuncio,
o contorno do que vejo,
a tradução do que me bole,
a expressão do que busco.

Em todas as palavras a ligação,
do homem com o homem,
do homem com o universo.

Na sua leitura, o resultado:
palavras duras, palavras certas,
palavras soltas, palavras desconexas...
palavras que amenizam,
palavras que agridem,
palavras que constroem,
palavras que destroem...

É preciso falar com clareza.
Mas, especialmente,
é preciso ouvir com atenção.

Em cada palavra uma súplica,
uma busca por aproximação,
ou uma arma que espanta o irmão.

Uma palavra, um sentido:
matéria-prima que constrói uma ponte de afeto,
ou que destrói a possibilidade da sua existência...

... ao sabor de quem a ouve.