De repente eu me vi no Nordeste. Quem me levou foi o cronista pernambucano Antônio Maria (1921-1964), em "Eles não mudaram"*. O cronista conta que, certa vez, querendo escrever sobre o paraibano José Lins do Rego, encontrou-o em um bar, no Rio de Janeiro, na companhia do carioca Di Cavalcanti e do jornalista e colecionador caruaruense João Condé. Antônio Maria conta que, à mesa, conversaram sobre o Nordeste, suas tradições regionais, usos e costumes de seu povo; que, saindo do bar, a saudade da região era tamanha que ele e o Zé Lins foram até o bairro de São Conrado para se fartarem de pamonhas e caldo de cana - que tinham o gosto dos antigos engenhos nordestinos. Que aquele banquete foi muito maior que qualquer espécie de fome nordestina, do tamanho de uma ausência compartilhada na companhia um do outro.
Enquanto eu também me lambuzava de açúcar e milho verde, nessa viagem ao Nordeste, um amigo que está vivendo em Portugal já há algum tempo chamou-me pelo telefone para uma "conversa informal de compatriotas". Quando disse a ele que estava me deliciando em pamonhas e caldo de cana dos antigos engenhos do Nordeste, ele me contou que trabalhou em um órgão representativo do governo brasileiro, em Marrocos, e que, estando lá, debruçou-se sobre a divulgação da cultura do nosso país por intermédio do livro "Novo mundo nos trópicos"** - coletânea expandida de conferências proferidas em 1944, nos Estados Unidos, por Gilberto Freyre (nordestino do Recife). Finda a nossa conversa, e ainda navegando por histórias do Nordeste, fui à busca do livro da autoria de Gilberto Freyre, mencionado por meu amigo, e pelo qual eu ainda não havia podido viajar.
Nessa busca, dei-me conta de que, para escrever um outro livro, "Nordeste"***, Gilberto Freyre solicitou ao poeta recifense Manuel Bandeira, a quem não conhecia pessoalmente, a composição de um poema alusivo ao tema: e desse pedido nasceu "Evocação do Recife":
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
(...)”
A partir desse poema, entre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira desenvolveu-me uma amizade fomentada por uma correspondência que se estendeu por muitos anos... Essa correspondência - vim a descobrir em seguida - foi organizada e reunida por Silvana Moreli Vicente Dias no livro "Cartas Provincianas - correspondência entre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira" (Global, 2017).
Não resisti. Curioso em saber quais assuntos dominavam as conversas por carta entre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, contatei uma livraria e fiz o pedido do livro organizado por Silvana Moreli, o qual acaba de chegar às minhas mãos.
Diferente de dizer que estou feliz, preciso dizer que estou um tanto quanto desesperado e confuso diante de tanto assunto e diante de tanta informação que tem me interessado. Afinal, a vida é curta... e o que posso é muito pouco: em uma só existência, não há tempo suficiente...
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*"Eles não mudaram" - crônica publicada em "O Globo", em 21/ago/1955, e publicada no livro "Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria" (Todavia, 2021 - organização: Guilherme Tauil).
**"Novo mundo nos trópicos" (Global, 2011) - é uma versão ampliada de um livro anterior de Gilberto Freyre: "Brazil: an interpretation, publicado em 1945 em Nova Iorque.
***"Nordeste" (Global, 2013 - 1ª edição digital)
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