Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
Professores do CENE Mal. Rondon -entrega de diplomas anos 70 foto: postada por Marilúcia R. Caixe no facebook
"O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo."
(Carlos Drummond de Andrade)
Ele entra, olha... Alguns o percebem, outros riem; outros, ainda, cochilam...
Ele cumprimenta, fala, pede... Alguns ouvem, alguns retribuem os cumprimentos com o olhar; poucos atendem...
E com muita paciência, sem perdê-la e sem perceber, mesmo com a indiferença, mesmo com as adversidades da vida,
sua postura, sua educação, sua maturidade, sua maneira de olhar, seu jeito respeitoso de compreender seus alunos e suas carências, vão transmitindo em silêncio, e de forma natural, os valores universais que só o exemplo ensina.
Cerimônia entrega de diplomas no CENE Mal. Rondon - anos 70 postada por Áureo no facebook
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Lulu - "To Sir, with love"
https://www.youtube.com/watch?v=EV1qmmMwc9M
(Profª Therezinha Deise e seus alunos - Grupo Escolar de Guará)
To Sir With Love (Black/London)
Those school girl days
Of telling tales
And biting nails are gone
But in my mind
I know they will still live on and on
But how do you thank someone
Who has taken you from crayons to perfume
It isn't easy, but I'll try
If you wanted the sky I'd write across the sky in letters
That would soar a thousand feet high
To Sir, with love
The time has come
For closing books
And long last looks must end
And as I leave
I know that I am leaving my best friend
A friend who taught me right from wrong
And weak from strong
That's hard to learn
What, what can I give you in return?
If you wanted the moon I'd try to make a star
But I would rather you let me give my heart
To Sir, with love
Ao Mestre, Com Carinho
Aqueles dias de estudante
De contar historias
E de roer unhas, se foram
Mas em minha mente
Sei que sobreviverão para sempre, sempre
Mas como vc pode agradecer alguém
Que te tirou dos lápis de cera para o perfume
Não é fácil, mas eu vou tentar
Se você quisesse o céu, eu escreveria sobre o céu com letras
Que planariam a mil pés de altura
Ao Mestre, com carinho
Chegou a hora
De fechar os livros
E os olhares demorados devem acabar
E enquanto eu os deixo
Eu saberei que estou deixando meu melhor amigo
Um amigo que me ensinou o certo do errado
E o fraco do forte
É bastante para aprender
O que, o que eu posso lhe dar em troca?
Se você quisesse a lua eu tentaria fazer uma estrela
Mas eu gostaria que você deixasse lhe dar meu coração
"Cenoura, tomate, alface, beterraba, cebola, pepino... mamão, banana e melão... carnes... arroz, ovos, fubá, caldo de carne e de galinha... Veja, álcool, sabão em pó, detergente, sapólio, bombril, saco de lixo, lustra móveis, água sanitária, removedor". Com essa lista no bolso, e com todas as horas de uma manhã à minha disposição, fui às compras em um supermercado.
Empurrando um carrinho, fiz minha primeira parada na seção de frutas e legumes. Comecei pelos mamões - que precisavam de mais uns dois ou três dias para poderem ser consumidos: escolhi dois. O melão veio em seguida: selecionei um daqueles envolvidos em uma redinha vermelha de plástico - que, dizem, são os mais doces: e são, de fato. Da seção de legumes e frutas fui às carnes, e dali às demais seções.
Na seção de bolachas procurei a minha preferida: uma bolacha feita com grãos de gergelim, que é apresentada em uma embalagem de papel verde brilhante. Nos chocolates examinei as diferentes ofertas: chocolate ao leite, chocolate com amendoim, chocolate amargo, meio amargo, sonho de valsa, chocolate recheado com uva passa e castanhas do Pará... Eu, que adoro chocolate amargo, 60 ou 70% cacau, caí agora nas graças do "Bis Xtra Black": uma delícia. Peguei uma caixinha.
Depois fui aos congelados, onde estão as lasanhas à bolonhesa... Examinei o balcão de queijos... parmesão, gorgonzola... Os vinhos, no supermercado, não são muito convidativos: são muito caros. Ainda assim passeei por entre eles, na esperança de encontrar alguma promoção... Mas, nada: nenhum milagre.
Em seguida dirigi-me à seção de azeites. Como gosto dessa seção! Passei pelos portugueses, pelos espanhóis, italianos, argentinos... Quantas embalagens lindas! Lembrei-me de que havia um azeite espanhol enlatado, o "Carbonell", que trazia em sua embalagem, de cor predominantemente vermelha, uma senhora sentada à sombra de uma oliveira... Procurei por esse azeite e lá estava ele! Fiquei olhando a embalagem, pensando nas oliveiras, imaginando aquela senhora que permanecia, horas, anos, décadas, presa na embalagem de lata, colhendo azeitonas, ouvindo pássaros... a mesma postura, a mesma face...
Não consegui passar de forma indiferente pelos sabonetes. Selecionei alguns para, simplesmente, segurar em minhas mãos e sentir o seu cheiro. Ali mesmo, naquela seção, atendi aos impulsos de uma de minhas manias e parei diante dos cremes dentais - uma centena de caixinhas maravilhosas. Procurei por novos produtos, li as orientações impressas nas embalagens, todas elas afirmando o poder de sedução de um sorriso brilhante...
A quantidade de produtos expostos nos supermercados é tão grande, e geralmente eles estão tão bem dispostos, enfileirados, que sempre fico parado diante das gôndolas me sentindo um gerente de seção, um pesquisador, olhando aquelas embalagens, lendo as informações nelas trazidas, examinando e descobrindo tudo - mesmo que não haja, na seção específica, qualquer produto relacionado na minha lista de compras.
Por fim, depois de ter passeado por tantas embalagens coloridas, depois de ter sentido tantos perfumes, depois de ter lido tantos cartazes promocionais, e com o carrinho cheio de produtos selecionados, fui à procura de um caixa menos movimentado para efetuar o pagamento de minha compra.
Ao me postar atrás de uma senhora que conduzia um carrinho um tanto quanto vazio, ouvi a funcionária do caixa dirigir a mim a seguinte pergunta: "O senhor tem no carrinho vinte itens?" Maravilhado com tudo o que o nosso país é capaz de produzir - mas ainda com tanta gente impossibilitada de se alimentar bem -, e desatento ao objetivo final da pergunta, respondi a ela que não havia contado quantos itens estavam no meu carrinho; que certamente havia ali muito mais do que vinte; mas que poderia fazer a contagem se ela assim o desejasse. Foi então que uma senhora à minha frente informou-me que aquele caixa atendia somente clientes com até 20 itens a serem pagos. Assim orientado, e pedindo desculpas por ter me postado em fila indevida, saí a procura de um outro caixa. Logo ao lado percebi um casal que havia terminado de embalar os produtos escolhidos, pronto para realizar o pagamento. Contudo, por motivos que me eram desconhecidos, tanto o casal quanto a funcionária do caixa, com cara de mal humorados, olhavam um para o outro sem nada dizerem. Fiquei ali por alguns instantes, até ouvir a funcionária do caixa dirigir seu olhar para mim e dizer: "o caixa está parado...". E ao final da informação utilizou a palavra "amor" na função de vocativo - pelo menos foi o que pensei ter ouvido. Entendi, então, que ela queria me dizer que seria bom que eu não ficasse ali aguardando, pois a espera poderia ser longa. Ao tomar conhecimento do problema, disse a ela que não me incomodava com a demora, mas que estava muito agradecido por ela ter se dirigido a mim daquela forma tão carinhosa: "amor". "Pra quê?" A moça, enfurecida, olhou para mim e para o casal ali ao lado dela, e esclareceu que não havia me chamado de "amor", mas sim de "moço". E eu, nos meus 65 anos de idade, não pude deixar de dizer a ela que a opção de me chamar de "moço", ao invés de "amor", agradava-me muito mais. Na sequência, ouvindo risos do casal que ali estava, saí à procura de um outro caixa.
Os Mutantes - "A minha menina" (Jorge Ben)
https://www.youtube.com/watch?v=EfHPjZSlOp8
Não posso negar que gosto de ir ao supermercado. A cada vez que vou às compras aprendo muito e trago muitas histórias. Mas, pensando na atendente do caixa, creio que ela não foi verdadeira ao me chamar de "moço". Talvez ela tivesse querido, simplesmente, ser simpática. Em casa, ao chegar, depois de ter acomodado as compras nos armários da cozinha, olhei-me no espelho e fiquei pensando: "não, definitivamente não... minhas rugas, uma pinta que começa a surgir na no meu rosto, minha calvície, os cabelos brancos em minhas sobrancelhas atestam que, definitivamente, 'moço' já não sou...". A atendente de caixa ao dirigir a palavra a mim, chamando-me de "moço" (ou "amor"), não me convenceu. Contudo, aqui entre nós, admito que gostei de ambas as palavras que poderiam ter sido empregadas como vocativo: a que ela, de fato, verbalizou, e a outra, que só os ouvidos do meu coração conseguiram ouvir.
Por questões de divergência nos modelos de desenvolvimento propostos para o país, de 1861 a 1865 os Estados Unidos foram uma nação dividida. As divergências estavam no tipo de sociedade a ser implantada nas terras que seriam ocupadas a Oeste. Os estados do Sul tinham a economia fundada na agricultura, que era voltada para a produção de algodão com exploração de trabalho escravo; os estados do Norte fomentavam a indústria com trabalho livre assalariado. Carolina do Sul, Alabama, Flórida, Mississipi, Geórgia, Texas e Luisiana, estados do Sul, defendiam que o modelo escravista deveria ser adotado nas terras situadas a Oeste; os estados do Norte queriam abolir tal modelo.
Como Abraham Lincoln, então presidente, mantinha um discurso ambíguo em relação à escravidão, os estados do sul decretaram o seu rompimento com a União, proclamando-os Estados Confederados da América. O início da chamada Guerra da Secessão deu-se em seguida, com um ataque das forças confederadas a um forte da União, no estado da Carolina do Sul. Lincoln, sustentando que não aceitaria a separação, convocou as forças legais para a reintegração. Com isso, Virginia, Arkansas, Carolina do Norte e Tennessee, outros estados sulistas, também romperam com a União e passaram a apoiar os Confederados. A guerra que foi deflagrada, e que inicialmente estava em torno da integridade territorial da União, acabou por tomar o sentido de luta pelo fim da escravidão. Ao final os Confederados foram derrotados, e muitos milhares de pessoas perderam a vida nessa guerra.
Robert Edward Lee e Thomas Jonathan "Stonewall" Jackson foram dois militares estrategistas dos exércitos confederados que lutavam pela continuidade da escravidão. Suas imagens, juntamente com dezenas de outras imagens representativas da história dos Estados Unidos, mescladas com figuras religiosas, foram utilizadas para adornar os vitrais da belíssima Catedral Nacional de Washington (Anglicana).
Essa confusão entre Igreja e Estado, entre Santos e líderes ou feitos políticos, é muito temerária. Não me parece apropriada essa ideia de se querer santificar líderes políticos, para que sirvam de modelo de identificação. As ondas da história, como as do mar, quebram e se transformam. Imagine você, meu caro leitor, o quanto a imagem de um líder da história política, dentro de um templo religioso, aliada a imagem de algum Santo, pode influenciar e induzir fieis desprovidos de raciocínio crítico. A colocação de líderes escravagistas em pedestais de Santos, na Catedral de Washington, por tal motivo, não me parece uma ideia inteligente - mas foi o que aconteceu.
Pois, veja só. As manifestações por justiça racial nos Estados Unidos, sob o lema "Black lives matter"**, que se seguiram ao assassinato de George Floyd em 2020, repercutiram no mundo todo - inclusive na Catedral de Washington. Assim, na última semana, foi concluída a substituição das imagens dos militares Lee e Jackson estampadas nos vitrais da Catedral, por imagens de pessoas negras em manifestação por direitos civis.
Grandes transformações começam pelos pequenos gestos que inspiram o pensamento, a reflexão, e o raciocínio crítico. Felizmente a capacidade de revisar iniciativas de outros tempos, em outras circunstâncias, ainda pode ocasionar o reparo em falhas passadas. Contudo, quando misturadas, política e religião quase sempre ensejam grandes danos. Assim, espero que os vitrais dos líderes militares sejam levados a ocupar espaços em museus históricos, não em outros templos religiosos. Do mesmo modo, entendo que a representação de manifestações políticas devem sempre ser lembradas, reavaliadas e reestudadas. Por tal motivo, diferente de serem instaladas em espaço religioso, deveriam também ter o mesmo destino aqui sugerido para os vitrais dos militares Lee e Jackson: um museu histórico ou, ainda, o próprio espaço público.
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*texto inspirado na leitura de artigo publicado em 27/09/23, no jornal Folha de São Paulo, de autoria de Diogo Bercito, sob o título "Catedral de Washington troca generais escravistas por manifestantes negros em vitrais".