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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A CATEDRAL NACIONAL DE WASHINGTON*

 

    Por questões de divergência nos modelos de desenvolvimento propostos para o país, de 1861 a 1865 os Estados Unidos foram uma nação dividida. As divergências estavam no tipo de sociedade a ser implantada nas terras que seriam ocupadas a Oeste. Os estados do Sul tinham a economia fundada na agricultura, que era voltada para a produção de algodão com exploração de trabalho escravo; os estados do Norte fomentavam a indústria com trabalho livre assalariado. Carolina do Sul, Alabama, Flórida, Mississipi, Geórgia, Texas e Luisiana, estados do Sul, defendiam que o modelo escravista deveria ser adotado nas terras situadas a Oeste; os estados do Norte queriam abolir tal modelo.    

    Como Abraham Lincoln, então presidente, mantinha um discurso ambíguo em relação à escravidão, os estados do sul decretaram o seu rompimento com a União, proclamando-os Estados Confederados da América. O início da chamada Guerra da Secessão deu-se em seguida, com um ataque das forças confederadas a um forte da União, no estado da Carolina do Sul. Lincoln, sustentando que não aceitaria a separação, convocou as forças legais para a reintegração. Com isso, Virginia, Arkansas, Carolina do Norte e Tennessee, outros estados sulistas, também romperam com a União e passaram a apoiar os Confederados. A guerra que foi deflagrada, e que inicialmente estava em torno da integridade territorial da União, acabou por tomar o sentido de luta pelo fim da escravidão. Ao final os Confederados foram derrotados, e muitos milhares de pessoas perderam a vida nessa guerra.

    Robert Edward Lee e Thomas Jonathan "Stonewall" Jackson foram dois militares estrategistas dos exércitos confederados que lutavam pela continuidade da escravidão. Suas imagens, juntamente com dezenas de outras imagens representativas da história dos Estados Unidos, mescladas com figuras religiosas, foram utilizadas para adornar os vitrais da belíssima Catedral Nacional de Washington (Anglicana).

Vitrais removidos
https://www.nytimes.com/2016/06/10/us/washington-national-cathedral-to-rid-windows-of-confederate-battle-flag.html

    Essa confusão entre Igreja e Estado, entre Santos e líderes ou feitos políticos, é muito temerária. Não me parece apropriada essa ideia de se querer santificar líderes políticos, para que sirvam de modelo de identificação. As ondas da história, como as do mar, quebram e se transformam. Imagine você, meu caro leitor, o quanto a imagem de um líder da história política, dentro de um templo religioso, aliada a imagem de algum Santo, pode influenciar e induzir fieis desprovidos de raciocínio crítico. A colocação de líderes escravagistas em pedestais de Santos, na Catedral de Washington, por tal motivo, não me parece uma ideia inteligente - mas foi o que aconteceu.

    Pois, veja só. As manifestações por justiça racial nos Estados Unidos, sob o lema "Black lives matter"**, que se seguiram ao assassinato de George Floyd em 2020, repercutiram no mundo todo - inclusive na Catedral de Washington. Assim, na última semana, foi concluída a substituição das imagens dos militares Lee e Jackson estampadas nos vitrais da Catedral, por imagens de pessoas negras em manifestação por direitos civis.

https://www.smithsonianmag.com/smart-news/see-the-new-racial-justice-themed-stained-glass-windows-at-washington-national-cathedral-180982961/

    Grandes transformações começam pelos pequenos gestos que inspiram o pensamento, a reflexão, e o raciocínio crítico. Felizmente a capacidade de revisar iniciativas de outros tempos, em outras circunstâncias, ainda pode ocasionar o reparo em falhas passadas. Contudo, quando misturadas, política e religião quase sempre ensejam grandes danos. Assim, espero que os vitrais dos líderes militares sejam levados a ocupar espaços em museus históricos, não em outros templos religiosos. Do mesmo modo, entendo que a representação de manifestações políticas devem sempre ser lembradas, reavaliadas e reestudadas. Por tal motivo, diferente de serem instaladas em espaço religioso, deveriam também ter o mesmo destino aqui sugerido para os vitrais dos militares Lee e Jackson: um museu histórico ou, ainda, o próprio espaço público.  

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*texto inspirado na leitura de artigo publicado em 27/09/23, no jornal Folha de São Paulo, de autoria de Diogo Bercito, sob o título "Catedral de Washington troca generais escravistas por manifestantes negros em vitrais".

**"Black lives matter" - vidas negras importam


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