Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
O nosso querido poeta Vinícius de Moraes ocupou diversos postos na carreira diplomática brasileira. No exterior, ocupou postos em Los Angeles, Paris e Montevideo. No ano de 1966, como representante do governo brasileiro, recebeu do governo francês a condecoração do grau de "Oficial". Acontece que, no mesmo dia, e na mesma cerimônia, foi também condecorado, como "Cavaleiro", um outro brasileiro: Pelé.
Em crônica publicada no jornal Última Hora, no mesmo ano de 1966, e posteriormente em sua coletânea de crônicas "Para uma menina com uma flor", Vinícius expressou o orgulho e a admiração que sentia pelo nosso craque de futebol.
Condecorado como representante de governo, Vinícius orgulhava-se muito de Pelé; pois diferente dele, Pelé estava sendo distinguido pela Ordem Nacional de Mérito da França não como representante de governo, mas como "representante de si mesmo".
A seguir, a crônica "Um abraço em Pelé" - do nosso querido Vinícius de Moraes. (disponível em https://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/prosa/um-abraco-em-pele)
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UM ABRAÇO EM PELÉ
Eu ainda não tive o prazer de lhe ser apresentado, meu caro Pelé, mas agora, com o fato de termos sido condecorados juntos pelo governo de França - você no grau de Cavaleiro e eu no de Oficial: e mais justo me pareceria o contrário - vamos certamente nos conhecer e tornar amigos. Ninguém mais que você merece tão alta distinção, sobretudo por ter sido conferida espontaneamente - pois ninguém mais que você tem levado o nome do Brasil para fora de nossas fronteiras. Da Sibéria à Patagônia todo mundo conhece Pelé; e eu estou certo de que você entraria fácil na lista das dez personalidades mais famosas de nossos dias.
Não posso disfarçar o orgulho que a condecoração me causa, embora seja, de natureza, avesso a honrarias; e orgulho tanto maior porque nela estamos juntos: preto e branco (as cores do meu Botafogo!) e também as cores irmãs de nossa integração racial. Sim, caro Pelé, nós representamos, em face da comenda que nos é conferida, o Brasil racialmente integrado, o Brasil sem ódio e sem complexos, o Brasil que olha para o futuro sem medo porque, apesar dos pesares, é bom de mulher, bom de música, bom de poesia, bom de pintura, bom de arquitetura e bom de bola. Particularmente por isso considero-me feliz de estar a seu lado no momento em que nos colocarem no peito a condecoração.
Que você tenha sido distinguido pela Ordem Nacional do Mérito da França nada me parece mais natural. A França sempre deu um alto valor ao gênio, e você, meu grande Pelé, é um gênio completo, porque o seu futebol representa um reflexo imediato de sua cabeça nos seus pés. Eu não sou gênio, não. Eu tenho que pensar um bocado para que a mão transmita direito o que a cabeça lucubrou. Meus gols são mais raros que os seus. Você é com justa razão chamado o Rei. Quanto a mim, que rei sou eu?
Mas nada disso turva a satisfação que sinto em ser o seu Coutinho nesta nova investida do Brasil na área internacional. Parabéns, meu caro Pelé. Parabéns e o melhor abraço aqui do seu irmãozinho!
Nunca fui fumante. Não me agrada cheiro de fumaça impregnada na roupa, nas mãos, nos cabelos, na ponta dos dedos. E mais: dentes amarelados, tosse, pigarro... Não, não dá. De interessante, no cigarro aceso, só mesmo a fumaça que dá voltas, que fica passeando pelo espaço que circunda o fumante. Se houver algum foco de luz iluminando exclusivamente o fumante, a fumaça fica mais interessante ainda: ela transmite mensagens.
Outro dia, de longe, eu fiquei observando a fumaça produzida pelo cigarro de um fumante que estava sentado, quieto, na varanda de um bar: era azul-viva; mas ficava acinzentada, tétrica, quando, depois de ter transitado pelos pulmões do fumante, era expelida no ar pelo sopro de sua boca. Fumaça de cigarro no ar, para ser observada, requer paciência. Ela fica ali, dança devagar, vai subindo, girando...
O Baden Powell, certa vez, em um estúdio francês, enquanto gravava "Round Midnight", prendia entre os dedos mínimo e anular, de sua mão direita, um cigarro aceso. Enquanto executava... enquanto mergulhava... enquanto voava em "Round Midnight", a fumaça produzida pela queima de seu cigarro criava em torno dele um ambiente metafísico de ligação do humano com o divino, juntando homem a entidades celestiais... E ele, de olhos fechados, comunicava com suas mãos, com seus dedos, com seu violão, toda beleza que um homem é capaz de comunicar quando transcende...
E após ter assistido ao referido vídeo, fui tomado por uma vontade incontida... Não de fumar, mas de fazer gerar fumaça poética... para ficar só, ouvir música.... desenvolver em torno de mim toda poesia que fumaça de cigarro que sobe pode produzir.
Fui então a uma tabacaria, escolhi um cachimbo e um pequeno pacote de tabaco inglês, com tempero de chocolate. Voltei para casa depressa, querendo me sentar sozinho em uma poltrona, ficar ouvindo as gravações do Baden Powell, e, como ele, ficar produzindo fumaça poética pela queima do tabaco ajeitado no fornilho do cachimbo que havia comprado. Cuidei do abajur ao meu lado, criei um ambiente de penumbra; escolhi os meus discos prediletos, uma bebida, e acendi o cachimbo. Senti-me, naquele momento, como uma divindade celestial: eu estava banhado em música, poesia, e fumaça de tabaco temperado com chocolate queimado. Não; eu não me encontrava no paraíso: eu era, na verdade, o próprio paraíso...
O cachimbo, dizem os entendidos no assunto, "é uma forma de transformar um momento de ócio num ritual de meditação e prazer". E era justamente isso o que eu buscava: meditação e prazer.
À primeira música, uma tragada, fumo queimado no ar; à segunda música, tragadas, bebida, e fumo queimado no ar... Penumbra. À terceira música, tragadas, bebida, fumo queimado... e tosse. De súbito fui tomado por uma leveza... uma sensação estranha... uma tontura... Fiquei com a impressão de que estava girando com a fumaça... E não podendo mais me controlar, gritei:
- Denise!!!! Tô gelado. Vou desmaiar!
Ao ouvir-me, mais que depressa minha esposa despertou de seu sono; veio ao meu escritório, examinou o meu estado, tomou-me a mão, percebeu o suor e a temperatura fria do meu corpo. Orientando-me a baixar a cabeça, ela correu até a cozinha e retornou com um copo de leite gelado e adoçado em suas mãos:
- Tome isso e apague essa fumaceira. Você não sabe que isso não é para tragar?
Eu não sabia. Depois desse episódio só fui voltar ao cachimbo anos depois, durante o inverno, não para fumar, mas somente para prender entre as minhas mãos o cachimbo aceso, e mantê-las aquecidas... E ficar olhando a fumaça dançar... sentindo no ar aquele cheirinho gostoso de tabaco temperado com chocolate.
Baden Powell - "Round about Midnight" (Thelonious Monk)
Há 32 anos, com 77 de vida, falecia no Rio de Janeiro o capixaba Rubem Braga. Introspectivo, observador e meio casmurro, escreveu crônicas saborosas, marcadas por simplicidade e lirismo. Meu primeiro contato com sua obra foi ainda no curso ginasial quando, em uma aula de Português, fui chamado para ler e analisar "A outra noite" - uma das crônicas escritas pelo Rubem Braga, indicada para estudo no livro didático que o professor havia adotado. Desde então o RB e o seu jeito leve e simples de escrever passou a ser, para mim, uma grande referência. Rubem Braga faleceu em 19 de dezembro de 1990, mas muitas das crônicas que escreveu ainda estão por ser reunidas em livro. Há pouco recebi a notícia de que sua cinebiografia "O voo da borboleta amarela", de Jorge Oliveira, filmado no Espírito Santo, no Rio, e em Braga (Portugal), foi proclamado vencedor de Melhor Documentário do 13º FesTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (Lisboa, de 09 a 14/dezembro/22).
Fico por aqui. Mas não posso deixar de dizer que a ansiedade já é grande para poder assistir ao filme e rever o "velho" Braga - que em sua maturidade, no filme, é interpretado por um ator brasileiro que, em 1950, levou ao teatro a crônica "Ai de ti Copacabana" (e esse ator ainda tem muito a nos contar).
Resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte, no dia cinco de outubro de 1988, há 34 anos portanto, a sétima Constituição do Brasil foi promulgada. Esta Constituição pôs fim à Constituição imediatamente anterior, a de 1967, Emendada em 1969, a qual havia sido outorgada (sem legitimidade; elaborada sem a participação dos representantes do povo; imposta).
Nesses 34 anos de vigência, a Constituição de 1988 resistiu a tempestades e deu respaldo e orientação para decisões extremamente marcantes em nossa história. Além de dispor sobre a organização do Estado, do exercício do poder, dos direitos e garantias fundamentais, da composição e funcionamento de suas instituições, ela cuida, inclusive, a respeito dos mecanismos procedimentais para a promoção de alteração de seus próprios dispositivos. Ela é e tem sido, seguramente, a guardiã do Estado de Direito.
O funcionamento das instituições democráticas, sem interferências espúrias, e a preservação do pleno equilíbrio entre os três Poderes, parecem-me ser as joias mais preciosas a serem preservadas nesta Constituição.
Em outros tempos, e por outras terras, tristes foram os descaminhos das nações conduzidas por Mussolini, Salazar, Franco, e tantos outros - além, é claro, por aqui, dos não menos tristes descaminhos maquiados de potência por vinte e um anos.
Na vigência da Constituição ilegítima de 1967, e sob olhos amedrontados de uma nação intimidada, o atropelo na escolha de representantes, o desrespeito à diversidade e a institucionalização da tortura foram aplaudidos em cerimônias públicas (1).
Antes, sob o manto da Constituição de 1937 também outorgada (imposta), o Estado federal tornou-se unitário; dissolveu-se: a isso, a cerimônia da queima das bandeiras, solenemente aplaudida e registrada em vídeo, evidencia.
Estado Novo: queima das bandeiras estaduais (1938)
https://www.youtube.com/watch?v=jzu_7hT45bU
Voltando os olhos para o passado e analisando o presente, parece-me que, com o Legislativo que desenhou-se domado, o Executivo, de garras expostas, tende a promover a ingerência na organização dos Poderes, desmontando ou reformatando o Judiciário, reescrevendo a Constituição a seu bel-prazer, repetindo a queima das bandeiras estaduais, e promovendo um adestramento coletivo por todos os cantos do país.
Neste cinco de outubro, ao celebrarmos os 34 anos da Constituição Federal de 1988, abro a janela de minha sala de trabalho com a estranha sensação de estar avistando nuvens negras no horizonte...
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(1) Cerimônia de Formatura da Guarda Rural Indígena, criada em 1969 https://www.youtube.com/watch?v=w5imv95KVOk&t=170s
(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR) ("Crazy" - Patsy Cline)
Uma das estações
de rádio que gosto de ouvir enquanto estou trabalhando pelo computador chama-se
SKY.FM-OLDIES[2].
Tem um bom astral. Em sua programação estão as músicas populares
norte-americanas que fizeram sucesso de 1960 até há poucos anos. Toca Beatles,
Simon & Garfunkel, Judy Collins, Cat Stevens, The Mamas & The Papas, John
Denver, Frankie Valli and The Four Seasons, Johnny Rivers, e por aí vai. Agora
há pouco puseram para tocar “Crazy”, sucesso de Patsy Cline.
Gostei de
“Crazy” desde a primeira vez que a ouvi na trilha sonora de um filme. Logo depois
da sessão de cinema saí em busca do disco para poder ouvir “Crazy” sempre que quisesse.
Eu a cantava, e ainda a canto em casa, acompanhando-me ao violão.
Julio Iglesias
também gravou “Crazy” em seu disco de mesmo nome (Columbia, 1994) – e fez muito
sucesso. Como nunca estive muito atento às suas gravações, só agora descobri
que “Crazy” também foi um dos temas da trilha sonora da telenovela “A Viagem”,
da rede Globo (Dir.: Ivani Ribeiro, 1994).
Do gênero
country, “Crazy” foi composta por Willie Nelson em 1961. Foi também um dos
temas do filme “O destino mudou sua vida”[3] - sobre
a vida de Loretta Lynn, uma grande cantora norte-americana, amiga de Patsy
Cline. É um belíssimo filme que gosto de rever.
Patsy Cline
morreu em um acidente de avião, em março de 1963, aos 30 anos de idade. Sua
gravação de "Crazy", em 1962, fez muito sucesso nos Estados Unidos. Gosto
das duas gravações, a da Patsy Cline e a do Julio Iglesias. Contudo, gosto em
especial da gravação de Beverly D'Angelo, que é a gravação que foi escolhida
para a trilha sonora do filme.
Mas como toda
história de vida é única, todo artista coloca muito de si mesmo nas gravações
que faz. Tanto a história da Patsy Clyne quanto da Loretta Lynn - e do Julio
Iglesias - são interessantes. Cada história traduz um estilo de vida ilustrando
os traços de um tempo. E nós, ao ouvirmos essas gravações, inevitavelmente
somos levados a nos perguntar:
- "Qual
delas é melhor? qual traduz com maior coerência a emoção da música refletida no
estilo de vida pessoal transmitido pelo artista?"
Talvez a
resposta a essas perguntas esteja na combinação do nosso perfil pessoal com as
imagens que cada interpretação suscita...ou então, pensando bem, não há
gravação melhor ou pior, mais ou menos coerente: cada uma, assim como cada um
de nós, tem a beleza (e a loucura) própria de seu tempo.
(Capa da disco da trilha sonora do filme. Na imagem, Loretta, a personagem da Sissy Spacek - em: http://theband.hiof.no/band_pictures/coal_miners_daughter.jpg)
Sempre pensei que Auschwitz fosse o nome de um - apenas um - campo de concentração nazista. Mas, em breve pesquisa, fico sabendo que Auschwitz foi uma rede de campos de concentração construídos pelos nazistas nas áreas polonesas por eles anexadas.
Auschwitz é o nome alemão para a cidade polonesa chamada Oswiecim, a cerca de 70 quilômetros a oeste de Cracóvia - também uma cidade polonesa.
Mapa da Polônia: localização de Auschwitz, Cracóvia e a capital Varsóvia
Muitos campos de concentração, extermínio e trabalhos forçados foram construídos pelos nazistas. Ao redor de Auschwitz, na Polônia, havia três grandes campos: Auschwitz I, centro administrativo e campo de concentração; Auschwitz-II-Birkenau, campo de extermínio; e Auschwitz III-Monowitz**-Buna***, campo de trabalhos forçados.
Complexo de Auschwitz e outros campos na Polônia e Alemanha
https://pt.wikipedia.org/wiki/Auschwitz
Mas tudo isso para dizer que vi, há pouco, uma foto postada no facebook por uma amiga (Maxine) que, em visita à Polônia, foi a Auschwitz. E, em lá estando, foi visitar Auschwitz-II-Birkenau*.
Ao olhar a foto da entrada do campo Auschwitz-II, a partir dos trilhos da estrada férrea, observo que o destino do comboio era, de fato, o extermínio: identifico em sua porta principal uma boca enorme capaz de engolir os passageiros amontoados nos vagões dos trens que por ela passavam; na torre, acima da porta, duas janelas são falsos olhos de olhar vigilante, incapazes de adormecer; as construções à direita e à esquerda da grande boca são enormes tentáculos aprisionadores que, com cruzes religiosas estruturadas em cada uma de suas janelas, decretavam que ali era a morada da morte.
Entrada de Auschwitz-II
Detalhe da foto acima, feita por Maxine
Em Auschwitz-II-Birkenau foram exterminadas mais de um milhão e cem mil pessoas.
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*Birkenau - pequeno vilarejo próximo a Auschwitz
**Monowitz - pequeno vilarejo próximo a Auschwitz
***Buna - complexo industrial ligado a borracha, para o qual era fornecido matéria prima.
Aprisionado por uma tribo inimiga que praticava a antropofagia, o último dos índios Tupis, naquele que seria seu derradeiro pôr de sol, entoou um canto de morte narrando seus feitos: falou de seu pai, do amigo que caiu, das terras por onde andou, das guerras que lutou... Mas, por ter contrariado a ética do índio, "não serviu de pasto".
Gonçalves Dias, em 1851, em I-Juca Pirama (o que deve morrer), assim grafou aquela manifestação:
"Meu canto de morte,
guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
nas selvas cresci;
guerreiros, descendo
da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
que agora anda errante
por fado inconstante,
guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
sou filho do Norte,
meu canto de morte,
guerreiros, ouvi (...)"
(I Juca Pirama, Canto IV, trecho)
Em 1985, no Festival dos Festivais da TV Globo, aquele índio ressurgiu... Majestoso, grandioso, belo, sublime e forte, foi louvado no canto de Miriam Mirah, de Lula Pereira, do grupo Tarancón e da banda Placa Luminosa: "Mira Ira".
"Mira Ira" (Lula Barbosa e Vanderlei de Castro)
https://www.youtube.com/watch?v=ie1X7v0ie1Q
Mira num olhar
Um riacho, cacho de nuvem
No azul do céu a rolar...
Mira Ira, raça tupi,
Matas, florestas, Brasil.
Mira vento, sopra continente,
Nossa América servil,
Mira vento, sopra continente,
Nossa América servil...
Mira num olhar,
Um riacho, cacho de nuvem
No azul do céu a rolar...
Mira ouro, azul ao mar,
Fonte, forte de esperança,
Mira sol, canção, tempestade, ilusão,
Mira sol, canção, tempestade,
Ilusão...
Mira num olhar
Verso frágil tecido em fuzil,
Mescla morena,
Canela, cachaça, bela raça, Brasil.
Anana ira,
Mira ira anana tupi
Anana ira, anana ira
Mira Ira
Em 1987, na Assembleia Constituinte, por intermédio de Ailton Krenak, o Tupi também se manifestou:
"(...) um povo que sempre viveu à revelia de todas as riquezas (...) não pode ser identificado como um povo que é inimigo dos interesses do Brasil (...)"
Ailton Krenak, na Constituinte/87
https://www.youtube.com/watch?v=ildN6lyXDNE
Gonçalves Dias, em I-Juca Pirama; Miriam Mirah, em "Mira Ira"; e Ailton Krenak, na Constituinte, são a expressão de um sentimento e de uma inspiração: um convite à ressurreição do povo brasileiro, que anda tão sufocado ultimamente. E, por já ser tempo desse desate de nós, "que assim seja!"
- "Mescla morena, canela, cachaça, bela raça: Brasil!"
Ontem o "João Gilberto International Fan Club" postou no Facebook uma gravação feita pela Radio Nacional de España em 19/07/1985, no programa "Quando os elefantes sonham com a música", de Carlos Galilea.
Ouvi atento à gravação - que não conhecia. Ao ouvi-la reencontrei um rapaz... Um rapaz que gosta de ouvir as interpretações do João Gilberto; que gosta de sentir por intermédio de sua voz e de seu violão uma paz azul, infinita, bahiana, utopicamente brasileira... uma paz de quintais, de plantas, de árvores, praias, gente alegre e riachos, de horizontes e distâncias...
João Gilberto - "Canta Brasil" (David Nasser/Alcyr Pires)
https://www.youtube.com/watch?v=h1wEH6FXi4c
O rapaz encontrou-se com o João Gilberto em um almoço, sob a escadaria de uma casa em Los Angeles. Naquela tarde, oferecendo ao rapaz uma feijoada, um casal de pesquisadores procurava mostrar o seu encantamento pelo Brasil.
Logo na chegada o rapaz ouviu, vindo da vitrola que ficava sob uma escadaria, uma voz delicada pedindo que o Brasil cantasse... "(...) no céu, no mar, na terra, canta Brasil (...)". O rapaz não cantou. Ao contrário, instintivamente, ficou parado... ouvindo.... só ouvindo. O casal sorriu. Ouviram quietos, calados, os três... parados, emudecidos, como que a decifrar o Brasil por imersão em matas imaginárias, a observar tribos, passarinhos, riachos e praias... Nem o casal e nem o rapaz foram mais os mesmos... E nem o Brasil do rapaz. Na proposta de inocência e doçura originadas naquela voz e naquele violão, o berço da delicadeza perdida abraçou o rapaz. De Los Angeles, maravilhado, o rapaz compreendeu as possibilidades de seu país... para querê-lo bem, para orgulhar-se dele... apesar de que... era 1975... e sob o domínio do terror, o Brasil capengava em um estado acinzentado, sufocado.... de duríssima exceção... de cuja ideia ainda queremos nos livrar.
CANTA BRASIL
As selvas te deram nas noites teus ritmos bárbaros
E os negros trouxeram de longe reservas de pranto
Os brancos falaram de amor em suas canções
E dessa mistura de vozes nasceu o teu canto
Brasil, minha voz enternecida
Já adorou os seus brasões
Na expressão mais comovida
Das mais ardentes canções
Também na beleza desse céu
Onde o azul é mais azul
Na aquarela do Brasil
Eu cantei de norte a sul
Mas agora o teu cantar
Meu Brasil, quero escutar
Nas preces da sertaneja
Nas ondas do rio-mar
Oh, esse rio turbilhão
Entre selvas de rojão
Continente a caminhar
No céu, no mar, na terra
Canta Brasil
No céu, no mar, na terra
Canta Brasil
No céu, no mar, na terra
Canta Brasil
No céu, no mar, na terra
Canta Brasil.
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Postagem João Gilberto International Fan Club https://www.bossanovaclube.com/post/jo%C3%A3o-gilberto-en-madrid-19-07-1985-hipnotismo-colectivo?fbclid=IwAR1TfA5i2r6LHRUIfX1bad8ge9vDA_0Rwx2Ivj39BXyIBy3O-wA8s0sxuEw
Capa do álbum de estreia de Gilberto Gil: "Louvação" (1967)
É certo que uma imagem diz mais que mil palavras; é certo que uma palavra escrita inspira uma infinidade de sentimentos... Mas é a palavra pronunciada, ouvida, carregada dos sinais daquele que a pronuncia, que tem a capacidade de melhor traduzir uma verdade.
Na impossibilidade de ser pronunciada, a palavra livremente escrita traz o pensamento do seu autor desprovido de maquiagem. Com palavras escritas pintamos o que os nossos olhos veem, e oferecemos aos nossos eventuais leitores as verdades que enxergamos, e em relação às quais não somos indiferentes.
Assim, louvemos tudo aquilo que vem com seu próprio contorno, com clareza, aberto, e transbordando de significados.
- "Vou fazendo a louvação... e falo de peito lavado!"
CLIQUE NA SETA PARA OUVIR
Gilberto Gil - "Louvação"- do álbum de estreia do Gilberto Gil - 1967
https://www.youtube.com/watch?v=mH4regr0Etc
LOUVAÇÃO
(Gilberto Gil/Torquato Neto)
Vou fazer a louvação - louvação, louvação
Do que deve ser louvado - ser louvado, ser louvado
Meu povo, preste atenção - atenção, atenção
Repare se estou errado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
E louvo, pra começar
Da vida o que é bem maior
Louvo a esperança da gente
Na vida, pra ser melhor
Quem espera sempre alcança
Três vezes salve a esperança!
Louvo quem espera sabendo
Que pra melhor esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado
Vou fazendo a louvação - louvação, louvação
Do que deve ser louvado - ser louvado, ser louvado
Quem 'tiver me escutando - atenção, atenção
Que me escute com cuidado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo agora e louvo sempre
O que grande sempre é
Louvo a força do homem
E a beleza da mulher
Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer
Louvo a vida merecida
De quem morre pra viver
Louvo a luta repetida
Da vida pra não morrer
Vou fazendo a louvação - louvação, louvação
Do que deve ser louvado - ser louvado, ser louvado
De todos peço atenção - atenção, atenção
Falo de peito lavado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo a casa onde se mora
De junto da companheira
Louvo o jardim que se planta
Pra ver crescer a roseira
Louvo a canção que se canta
Pra chamar a primavera
Louvo quem canta e não canta
Porque não sabe cantar
Mas que cantará na certa
Quando enfim se apresentar
O dia certo e preciso
De toda a gente cantar
E assim fiz a louvação - louvação, louvação
Do que vi pra ser louvado - ser louvado, ser louvado
O que faria uma pessoa inteligente que estivesse chegando no Brasil em 1898, dois anos do final do século XIX, com um cinematógrafo em mãos? E se essa pessoa, com esse cinematógrafo em mãos, estivesse adentrando a Baia de Guanabara a bordo de um navio? E se fosse um dia ensolarado? Diante de tanto estímulo visual, para onde essa pessoa direcionaria seu olhar? A Oeste veria a cidade do Rio de Janeiro; a Leste, Niterói; ao Norte, a Ilha do Governador... E ali, diante de seus olhos, o Pão de Açúcar e o Morro da Urca. Para não se esquecer de nada...
Foi isso mesmo que essa pessoa, chamada Afonso Segreto, fez: a partir do navio no qual viajava, vindo da Europa, registrou em imagens que se moviam a entrada na Baia de Guanabara. Era o dia 19 de junho de 1898. Apesar de algumas controvérsias, as imagens que captou naquele dia são consideradas as primeiras imagens cinematográficas tomadas no Brasil.
A partir daí o cinema brasileiro foi montado e projetado sob ideias e propósitos diversos: do cinema mudo passamos aos "posados" e "cantados", adaptamos textos literários para as telas; por diversos cantos do Brasil pensamos e trabalhamos o cinema (ciclos regionais); projetamos nas telas as chanchadas; expusemos nossa realidade no "cinema novo"; zombamos de tudo e de todos no "cinema marginal"; apelamos para a pornochanchada; e depois de um período de grandes dificuldades, voltamos a insistir com o cinema nacional para, no presente, nos encontrarmos jogados no fundo de um abismo.
Mas... resistimos! Há mentes brilhantes e cineastas geniais no Brasil. Pela telona, e com o estímulo do Estado, o nosso povo, as nossas paisagens e a nossa cultura podem correr mundo. Somos o país que queremos fazer - ou que pelo menos tentamos.
Nesse 19 de junho, as nossas homenagens ao cinema brasileiro.
("A cyclist on the beach" - França, Nord-Pas-de-Calais - postada no facebook por Lincoln Franco - fonte: https://500px.com/photo/135174331/the-cyclist-by-winterlight-photography )
"A Terra é azul"
(Yuri Gagarin)
Meu Deus... Que música! Que interpretação! Música e interpretação desesperadoramente lindas! Lindas e tristes ao mesmo tempo. De onde veio tanta inspiração?
(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
https://www.youtube.com/watch?v=TZUVSb4gF8I
(Mercedes Sosa - "Azul Provinciano", de Pancho Cabral)
Ao ouvir "Azul Provinciano", na interpretação da Mercedes Sosa, tenho vontade de conseguir me alojar na mente do autor. Não, não na mente. Pois "mente" implica em raciocínio, em elaboração que produz resultado. Não, não me serviria o racional. Meu anseio seria a detecção do instinto, do estágio primitivo, natural e irracional. Seria necessário adentrar na alma do autor. Na alma, onde, originariamente, os sentimentos e as sensações fluem sem elaboração. Somente instalado em sua alma eu poderia descobrir onde ele se encontrava e o que sentia quando a compôs. Queria poder sentir o mesmo... Procuro compreender o estímulo interior que o levou a compô-la. Para onde olhava? O que enxergava? Estava acompanhado? Não, não creio que houvesse alguém ao seu lado. As atenções não poderiam estar divididas. Estava triste? Não, não poderia estar. O azul ao seu redor não permitiria isso... Estava inteiramente feliz? Também não creio que estivesse. O azul natural inspira beleza. E o belo, se verdadeiramente belo, faz doer. A felicidade não é dotada de exclusividade. Ele olhava para o azul, para o encontro do céu com a Terra. Via andorinhas, ouvia sinos, vidalas de adeus. E nesse estado, estava tomado de luz e de humanidade. Certamente estava só! Só e iluminado! Pois estando assim, iluminado, o homem se engrandece, ascende ao infinito e embeleza o universo - como ocorreu com Pancho Cabral ao compor "Azul Provinciano".