Neste blog publico textos a respeito de livros e artigos que leio, cenas do cotidiano que observo, pensamentos que tenho, e matérias que me fazem sentir que merecem ser relembradas ou relidas de tempos em tempos.
O Celso e o Degiovani Lopes são danados mesmo. E são meus amigos! Trabalharam por muito tempo no Banespa, subiram e desceram suas escadas, e não deixaram que tempo tirasse deles as lembranças e o amor pelo prédio que ainda é a cara de São Paulo: o Edifício Altino Arantes. Desconfio até que o Celso e o Degiovani foram conduzidos ao edifício símbolo de São Paulo por mãos divinas. Sim... alguma divindade devia estar prevendo que caberia a eles a honrosa tarefa de nos contar, em fotos e fatos, a História do edifício central do Banespa. Tantos prédios, tantos edifícios iam transformando e fazendo crescer a capital do estado, ao tempo em que os irmãos zanzavam por ali, guardavam histórias... no dia a dia, no coração da cidade, observando, anotando, fotografando, criando cumplicidade com as janelas, com os lustres, com as paredes do prédio. "Um edifício no imaginário da cidade" é uma manifestação de carinho não somente a tudo o que o Banespão simboliza, mas também um alerta, um canto de amor à cidade de São Paulo e à necessidade de preservação de sua memória. Com belas fotos e um texto impecavelmente preciso, o Celso e o Degiovani publicaram um livro precioso para os anais da cidade e do estado de São Paulo. Parabéns, Celso; parabéns Degiovani: orgulho-me em poder dizer que sou amigo de vocês, autores desse documento tão valioso - fonte de informações para pesquisadores de todos os tempos.
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O livro está à venda on line no seguinte endereço: www.samburaliterario.com.br Também pode ser encontrado em loja física: Livraria do Espaço - Unidades: Rua Augusta e Shopping Frei Caneca (São Paulo, capital)
Assisti ontem, pela TV, a entrega do troféu Kikito, no Palácio dos Festivais, em Gramado/RS. Você estava deslumbrante no comando da apresentação do evento. A alegria transmitida pelo seu sorriso, que conheci aqui em Iguatu, há anos, não mudou. Notei que a insegurança estampada em seu rosto no dia da sua partida, há longínquos dezessete anos, tendo sido deixada para trás, foi substituída pela sua imagem de celebridade em uma importante cerimônia de premiação. Naquele dia, depois de termos nos amado, de minha moto, na esperança de seu retorno, acompanhei por alguns quilômetros o seu olhar emoldurado por uma das janelas do ônibus que te levava para o Sul.
Depois que você partiu, e por algum tempo ainda, muito se falou a respeito de sua ousadia aqui em Iguatu. Não te esqueci, e não te esqueço. Continuo só. Hoje, os que te veem na TV nada sabem a respeito da determinação que você tinha em conseguir encontrar, longe daqui, o seu próprio céu. Querendo-te bem como sempre te quis, sofri muito por não ter podido adquirir todos os números da rifa que você vendia para comprar uma passagem de ônibus para Porto Alegre, e que premiava o ganhador com "uma noite no paraíso" - uma noite com Suely, não com Hermila. Sua vontade de ir embora para bem longe e encontrar o seu céu foi muito grande. E você venceu. Se tivesse se abatido, sem poder se realizar, continuaria condenada à mediocridade de uma vida vazia. Parabéns, Hermila.
Tudo por aqui mudou. Iguatu já não é mais uma pequena cidade dormitório às margens dos trilhos da estrada de ferro. Com a instalação de cursos de graduação a cidade se desenvolveu. Tanto que, com os ganhos auferidos pelo meu serviço de motoboy, consegui concluir o curso de Direito na Universidade Regional do Cariri, e já, há oito anos, com muitos clientes, tenho o meu escritório profissional de advogado.
Roberto Carlos - "Outra vez" (Isolda)
https://www.youtube.com/watch?v=dLithcjeEE8
Mas não te esqueço. Você foi o grande amor que tive. Guardo a lembrança de sua última passagem por Iguatu quando, vencida pelo custo de vida na cidade de São Paulo, seu único projeto era criar o seu filho com o produto da venda de CDs piratas no Mercado Municipal. Mas seu companheiro não deu mais notícias, não retornou como havia prometido, e o projeto de comercializar CDs não se realizou - para sorte sua.
Te vi ontem na TV e te aplaudi com emoção. Os olhos de quem assistiu a cerimônia enxergaram apenas o alvo dos holofotes: não sabiam e, creio, nem queriam e nem querem saber dos degraus e quedas sofridas por você até encontrar e atingir o seu próprio céu. Mas eu, sabendo de seus tropeços, conheço toda a sua história. E ainda aqui, comigo, com o mesmo carinho de tantos anos, reservo para você um cantinho no meu coração.
Do seu motoboy de Iguatu,
João
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*Inspirado no filme "O céu de Suely" (BR/FR/ALE, 2006. Dir.: Karim Aïnouz)
Professores do CENE Mal. Rondon -entrega de diplomas anos 70 foto: postada por Marilúcia R. Caixe no facebook
"O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo."
(Carlos Drummond de Andrade)
Ele entra, olha... Alguns o percebem, outros riem; outros, ainda, cochilam...
Ele cumprimenta, fala, pede... Alguns ouvem, alguns retribuem os cumprimentos com o olhar; poucos atendem...
E com muita paciência, sem perdê-la e sem perceber, mesmo com a indiferença, mesmo com as adversidades da vida,
sua postura, sua educação, sua maturidade, sua maneira de olhar, seu jeito respeitoso de compreender seus alunos e suas carências, vão transmitindo em silêncio, e de forma natural, os valores universais que só o exemplo ensina.
Cerimônia entrega de diplomas no CENE Mal. Rondon - anos 70 postada por Áureo no facebook
CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR
Lulu - "To Sir, with love"
https://www.youtube.com/watch?v=EV1qmmMwc9M
(Profª Therezinha Deise e seus alunos - Grupo Escolar de Guará)
To Sir With Love (Black/London)
Those school girl days
Of telling tales
And biting nails are gone
But in my mind
I know they will still live on and on
But how do you thank someone
Who has taken you from crayons to perfume
It isn't easy, but I'll try
If you wanted the sky I'd write across the sky in letters
That would soar a thousand feet high
To Sir, with love
The time has come
For closing books
And long last looks must end
And as I leave
I know that I am leaving my best friend
A friend who taught me right from wrong
And weak from strong
That's hard to learn
What, what can I give you in return?
If you wanted the moon I'd try to make a star
But I would rather you let me give my heart
To Sir, with love
Ao Mestre, Com Carinho
Aqueles dias de estudante
De contar historias
E de roer unhas, se foram
Mas em minha mente
Sei que sobreviverão para sempre, sempre
Mas como vc pode agradecer alguém
Que te tirou dos lápis de cera para o perfume
Não é fácil, mas eu vou tentar
Se você quisesse o céu, eu escreveria sobre o céu com letras
Que planariam a mil pés de altura
Ao Mestre, com carinho
Chegou a hora
De fechar os livros
E os olhares demorados devem acabar
E enquanto eu os deixo
Eu saberei que estou deixando meu melhor amigo
Um amigo que me ensinou o certo do errado
E o fraco do forte
É bastante para aprender
O que, o que eu posso lhe dar em troca?
Se você quisesse a lua eu tentaria fazer uma estrela
Mas eu gostaria que você deixasse lhe dar meu coração
"Cenoura, tomate, alface, beterraba, cebola, pepino... mamão, banana e melão... carnes... arroz, ovos, fubá, caldo de carne e de galinha... Veja, álcool, sabão em pó, detergente, sapólio, bombril, saco de lixo, lustra móveis, água sanitária, removedor". Com essa lista no bolso, e com todas as horas de uma manhã à minha disposição, fui às compras em um supermercado.
Empurrando um carrinho, fiz minha primeira parada na seção de frutas e legumes. Comecei pelos mamões - que precisavam de mais uns dois ou três dias para poderem ser consumidos: escolhi dois. O melão veio em seguida: selecionei um daqueles envolvidos em uma redinha vermelha de plástico - que, dizem, são os mais doces: e são, de fato. Da seção de legumes e frutas fui às carnes, e dali às demais seções.
Na seção de bolachas procurei a minha preferida: uma bolacha feita com grãos de gergelim, que é apresentada em uma embalagem de papel verde brilhante. Nos chocolates examinei as diferentes ofertas: chocolate ao leite, chocolate com amendoim, chocolate amargo, meio amargo, sonho de valsa, chocolate recheado com uva passa e castanhas do Pará... Eu, que adoro chocolate amargo, 60 ou 70% cacau, caí agora nas graças do "Bis Xtra Black": uma delícia. Peguei uma caixinha.
Depois fui aos congelados, onde estão as lasanhas à bolonhesa... Examinei o balcão de queijos... parmesão, gorgonzola... Os vinhos, no supermercado, não são muito convidativos: são muito caros. Ainda assim passeei por entre eles, na esperança de encontrar alguma promoção... Mas, nada: nenhum milagre.
Em seguida dirigi-me à seção de azeites. Como gosto dessa seção! Passei pelos portugueses, pelos espanhóis, italianos, argentinos... Quantas embalagens lindas! Lembrei-me de que havia um azeite espanhol enlatado, o "Carbonell", que trazia em sua embalagem, de cor predominantemente vermelha, uma senhora sentada à sombra de uma oliveira... Procurei por esse azeite e lá estava ele! Fiquei olhando a embalagem, pensando nas oliveiras, imaginando aquela senhora que permanecia, horas, anos, décadas, presa na embalagem de lata, colhendo azeitonas, ouvindo pássaros... a mesma postura, a mesma face...
Não consegui passar de forma indiferente pelos sabonetes. Selecionei alguns para, simplesmente, segurar em minhas mãos e sentir o seu cheiro. Ali mesmo, naquela seção, atendi aos impulsos de uma de minhas manias e parei diante dos cremes dentais - uma centena de caixinhas maravilhosas. Procurei por novos produtos, li as orientações impressas nas embalagens, todas elas afirmando o poder de sedução de um sorriso brilhante...
A quantidade de produtos expostos nos supermercados é tão grande, e geralmente eles estão tão bem dispostos, enfileirados, que sempre fico parado diante das gôndolas me sentindo um gerente de seção, um pesquisador, olhando aquelas embalagens, lendo as informações nelas trazidas, examinando e descobrindo tudo - mesmo que não haja, na seção específica, qualquer produto relacionado na minha lista de compras.
Por fim, depois de ter passeado por tantas embalagens coloridas, depois de ter sentido tantos perfumes, depois de ter lido tantos cartazes promocionais, e com o carrinho cheio de produtos selecionados, fui à procura de um caixa menos movimentado para efetuar o pagamento de minha compra.
Ao me postar atrás de uma senhora que conduzia um carrinho um tanto quanto vazio, ouvi a funcionária do caixa dirigir a mim a seguinte pergunta: "O senhor tem no carrinho vinte itens?" Maravilhado com tudo o que o nosso país é capaz de produzir - mas ainda com tanta gente impossibilitada de se alimentar bem -, e desatento ao objetivo final da pergunta, respondi a ela que não havia contado quantos itens estavam no meu carrinho; que certamente havia ali muito mais do que vinte; mas que poderia fazer a contagem se ela assim o desejasse. Foi então que uma senhora à minha frente informou-me que aquele caixa atendia somente clientes com até 20 itens a serem pagos. Assim orientado, e pedindo desculpas por ter me postado em fila indevida, saí a procura de um outro caixa. Logo ao lado percebi um casal que havia terminado de embalar os produtos escolhidos, pronto para realizar o pagamento. Contudo, por motivos que me eram desconhecidos, tanto o casal quanto a funcionária do caixa, com cara de mal humorados, olhavam um para o outro sem nada dizerem. Fiquei ali por alguns instantes, até ouvir a funcionária do caixa dirigir seu olhar para mim e dizer: "o caixa está parado...". E ao final da informação utilizou a palavra "amor" na função de vocativo - pelo menos foi o que pensei ter ouvido. Entendi, então, que ela queria me dizer que seria bom que eu não ficasse ali aguardando, pois a espera poderia ser longa. Ao tomar conhecimento do problema, disse a ela que não me incomodava com a demora, mas que estava muito agradecido por ela ter se dirigido a mim daquela forma tão carinhosa: "amor". "Pra quê?" A moça, enfurecida, olhou para mim e para o casal ali ao lado dela, e esclareceu que não havia me chamado de "amor", mas sim de "moço". E eu, nos meus 65 anos de idade, não pude deixar de dizer a ela que a opção de me chamar de "moço", ao invés de "amor", agradava-me muito mais. Na sequência, ouvindo risos do casal que ali estava, saí à procura de um outro caixa.
Os Mutantes - "A minha menina" (Jorge Ben)
https://www.youtube.com/watch?v=EfHPjZSlOp8
Não posso negar que gosto de ir ao supermercado. A cada vez que vou às compras aprendo muito e trago muitas histórias. Mas, pensando na atendente do caixa, creio que ela não foi verdadeira ao me chamar de "moço". Talvez ela tivesse querido, simplesmente, ser simpática. Em casa, ao chegar, depois de ter acomodado as compras nos armários da cozinha, olhei-me no espelho e fiquei pensando: "não, definitivamente não... minhas rugas, uma pinta que começa a surgir na no meu rosto, minha calvície, os cabelos brancos em minhas sobrancelhas atestam que, definitivamente, 'moço' já não sou...". A atendente de caixa ao dirigir a palavra a mim, chamando-me de "moço" (ou "amor"), não me convenceu. Contudo, aqui entre nós, admito que gostei de ambas as palavras que poderiam ter sido empregadas como vocativo: a que ela, de fato, verbalizou, e a outra, que só os ouvidos do meu coração conseguiram ouvir.
Por questões de divergência nos modelos de desenvolvimento propostos para o país, de 1861 a 1865 os Estados Unidos foram uma nação dividida. As divergências estavam no tipo de sociedade a ser implantada nas terras que seriam ocupadas a Oeste. Os estados do Sul tinham a economia fundada na agricultura, que era voltada para a produção de algodão com exploração de trabalho escravo; os estados do Norte fomentavam a indústria com trabalho livre assalariado. Carolina do Sul, Alabama, Flórida, Mississipi, Geórgia, Texas e Luisiana, estados do Sul, defendiam que o modelo escravista deveria ser adotado nas terras situadas a Oeste; os estados do Norte queriam abolir tal modelo.
Como Abraham Lincoln, então presidente, mantinha um discurso ambíguo em relação à escravidão, os estados do sul decretaram o seu rompimento com a União, proclamando-os Estados Confederados da América. O início da chamada Guerra da Secessão deu-se em seguida, com um ataque das forças confederadas a um forte da União, no estado da Carolina do Sul. Lincoln, sustentando que não aceitaria a separação, convocou as forças legais para a reintegração. Com isso, Virginia, Arkansas, Carolina do Norte e Tennessee, outros estados sulistas, também romperam com a União e passaram a apoiar os Confederados. A guerra que foi deflagrada, e que inicialmente estava em torno da integridade territorial da União, acabou por tomar o sentido de luta pelo fim da escravidão. Ao final os Confederados foram derrotados, e muitos milhares de pessoas perderam a vida nessa guerra.
Robert Edward Lee e Thomas Jonathan "Stonewall" Jackson foram dois militares estrategistas dos exércitos confederados que lutavam pela continuidade da escravidão. Suas imagens, juntamente com dezenas de outras imagens representativas da história dos Estados Unidos, mescladas com figuras religiosas, foram utilizadas para adornar os vitrais da belíssima Catedral Nacional de Washington (Anglicana).
Essa confusão entre Igreja e Estado, entre Santos e líderes ou feitos políticos, é muito temerária. Não me parece apropriada essa ideia de se querer santificar líderes políticos, para que sirvam de modelo de identificação. As ondas da história, como as do mar, quebram e se transformam. Imagine você, meu caro leitor, o quanto a imagem de um líder da história política, dentro de um templo religioso, aliada a imagem de algum Santo, pode influenciar e induzir fieis desprovidos de raciocínio crítico. A colocação de líderes escravagistas em pedestais de Santos, na Catedral de Washington, por tal motivo, não me parece uma ideia inteligente - mas foi o que aconteceu.
Pois, veja só. As manifestações por justiça racial nos Estados Unidos, sob o lema "Black lives matter"**, que se seguiram ao assassinato de George Floyd em 2020, repercutiram no mundo todo - inclusive na Catedral de Washington. Assim, na última semana, foi concluída a substituição das imagens dos militares Lee e Jackson estampadas nos vitrais da Catedral, por imagens de pessoas negras em manifestação por direitos civis.
Grandes transformações começam pelos pequenos gestos que inspiram o pensamento, a reflexão, e o raciocínio crítico. Felizmente a capacidade de revisar iniciativas de outros tempos, em outras circunstâncias, ainda pode ocasionar o reparo em falhas passadas. Contudo, quando misturadas, política e religião quase sempre ensejam grandes danos. Assim, espero que os vitrais dos líderes militares sejam levados a ocupar espaços em museus históricos, não em outros templos religiosos. Do mesmo modo, entendo que a representação de manifestações políticas devem sempre ser lembradas, reavaliadas e reestudadas. Por tal motivo, diferente de serem instaladas em espaço religioso, deveriam também ter o mesmo destino aqui sugerido para os vitrais dos militares Lee e Jackson: um museu histórico ou, ainda, o próprio espaço público.
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*texto inspirado na leitura de artigo publicado em 27/09/23, no jornal Folha de São Paulo, de autoria de Diogo Bercito, sob o título "Catedral de Washington troca generais escravistas por manifestantes negros em vitrais".
Foi observando a Malu comer sua ração que comecei a conversar com a minha esposa a respeito do Pateta, do Mickey, do Pato Donald e do Pluto - personagens de histórias em quadrinhos criados por Walt Disney. Inicialmente, meu caro leitor, preciso esclarecer que a Malu é uma cachorrinha que, assim como o Pito, uma calopsita macho, frequentemente hospedam-se aqui em casa durante as viagens da minha filha - que é quem os cria (Malu e Pito). Observando a avidez com que a Malu devorava o seu alimento, comentei que talvez fosse solidão o motivo que a estivesse levando a se alimentar daquela maneira; que um animalzinho precisa ter a companhia de um outro animalzinho da mesma espécie. Foi então que nos lembramos dos personagens criados por Walt Disney, e de suas respectivas companheiras: para o Mickey, a Minnie; para o Pato Donald, a Margarida; e para o Pateta, a Clarabela.
"Clarabela"
https://tkoc.fandom.com/pt-br/wiki/Clarabela
Mas... a Clarabela?? Peraí! Deve ter ocorrido aí alguma confusão. Mickey e Minie são ratos; Donald e Margarida são patos; mas o Pateta, sendo um cachorro, como é que pode querer namorar a Clarabela, que é uma vaca? Falha do Walt Disney? Ou será que Walt Disney quis criar um personagem animal com fixação por um animal de uma outra espécie?
Criado em 1932 com o nome de Dippy Dawg, somente sete anos depois Dippy Dawg teve seu nome alterado para Goofy (Pateta). O primeiro nome do Pateta - "Dippy Dawg" - sinaliza para a espécie de animal que foi elaborado na mente do seu criador: um cachorro. Afinal, a pronúncia da palavra "Dawg", em inglês, é semelhante a "dog" - que significa, em português, "cachorro". Mas... há aí uma outra confusão: como pode o Pateta, sendo cão, passear com o cachorro de seu amigo Mickey, o Pluto, preso na coleira? Um cachorro guiando o outro, pela coleira: não é estranho? Bom, o Pateta foi desenhado para ser um personagem humano; o Pluto, para representar a figura de um animal de estimação - um cão. Representar personagens é, evidentemente, compreensível; mas o Pateta paquerar a Clarabela, e vice-versa, parece meio esquisito: um cão querer namorar uma vaca? Apesar de achar a Clarabela um tanto quanto espalhafatosa, gosto muito dela - e do Pateta.
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Goofy and Clarabelle - "Chains of love"
https://www.youtube.com/watch?v=m_xrT_2knts
É claro que as vezes a gente vê relacionamentos pacíficos entre animais de diferentes grupos, tal como o que se dá entre a Malu e o Pito, um mamífero e uma ave, quando o Pito estica as asas fora da gaiola e convive numa boa com a Malu. Mas, vejam só a Clarabela: ela joga o seu charme para cima do Pateta quando se desentende com o seu namorado (as vezes "ex"), o Horácio - que é um um cavalo! Não é meio estranho?
"Horácio"
https://disney.fandom.com/pt-br/wiki/Hor%C3%A1cio
Assim, um cachorro (o Pateta) guia outro cachorro (o Pluto), e uma vaca (a Clarabela) que namorou, primeiro, um cavalo (o Horácio), de vez em quando dá bola para um cachorro (o Pateta). Nessa salada oriunda da fertilidade imaginativa dos criadores dos desenhos animados, até aplaudo as confusões. A meu ver, os cartunistas parecem ser grandes visionários: com todo talento que possuem, eles vão fazendo com que a gente vá acomodando todas as (im)possibilidades pensadas nesse nosso mundão - que, abençoado por Deus, que a todos protege, só quer que convivamos bem uns com os outros - humanos, mamíferos, répteis, peixes, aves, anfíbios... canídeos, bovinos, ovinos, equinos, bípedes, aracnídeos, quilópodes, diplópodes, crustáceos, vertebrados, invertebrados e todos os demais gêneros e espécies...
No centro da sala enorme e fria jazia o corpo. Ornado em flores, mãos cruzadas sobre o peito, estendido em sua urna sepulcral com a tez pálida, e ainda assim com o magnetismo mantido pelo que havia sido ao longo dos seus 97 anos, o falecido promovia uma reunião de pessoas em torno de si - como costumava acontecer quando contava histórias. Ao pé do ouvido, ao redor do caixão, uns com outros conversavam baixinho. De pé, ao lado do morto, com a face voltada para baixo e as palmas das mãos para cima, um senhor movia silenciosamente os lábios, como que a fazer uma oração. Quase centenária, a irmã do falecido, ao canto, com olhos solitários, vermelhos e cansados, recebia abraços e apertos de mão daqueles que dela se aproximavam.
Após o sepultamento, sozinho no caminho de volta, fiquei relembrando histórias antigas a respeito de minha avó, de meu pai e seus irmãos, que me haviam sido contadas há muitos anos pelo falecido. Ao chegar em casa pensei em chamar por telefone minha mãe, ou algum dos meus tios, ou ainda alguém que pudesse se interessar em saber como havia sido aquela partida. Com o celular em mãos dei-me conta de que todos os conhecidos meus que haviam tido, ao longo do tempo, alguma proximidade com o falecido, e que poderiam querer saber como havia sido aquela partida, também já haviam se despedido...
Por fim levantei-me do sofá e fui para a sacada do apartamento. Dali, movido por uma certa aflição carregada pela ideia de transitoriedade, deixei os meus pensamentos se perderem nos pequenos pontos de luz que cintilavam no escuro do céu...
No quintal, debaixo de uma mangueira, nos posicionávamos. À nossa frente, o fotógrafo. Comemorávamos os aniversários. Meninos e meninas de um tempo que já vai longe. Amigos. Todos transbordando os anseios de uma vida inteira. O que foi feito dos sonhos de cada um? Constituímos nossas famílias, procuramos outros horizontes, partimos para lugares distantes, acertamos e erramos...: o que importa é que deixamos no quintal muito do que fomos naquele dia, naquela hora...
("A comemoração de um aniversário meu" - fonte: arq. pessoal)
("A comemoração de um aniversário da minha irmã" - fonte: arq. pessoal)
Hoje, no quintal, já não há mais a mesma mangueira...
("O quintal" - fonte: arq. pessoal)
Mas há um mamoeiro, uma bananeira, uma mexeriqueira e muitas plantas.
("As plantas no quintal" - vista parcial - fonte: arq. pessoal)
Nas tardes de sol há maritacas e pardais. Ao fundo, além do muro, um cipreste enorme aponta para o alto, como que a indicar o futuro. O quintal guarda a memória dos bons amigos que um dia fomos... e que sempre haveremos de ser.
(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR) ("Amigos para siempre" - friends for life - Andrew Lloyd Webber / Don Black - composta para as Olimpíadas de Barcelona, 1992)
O Jornal “Folha de São Paulo” de sexta-feira, dia 13, no Caderno “Ilustrada”, trouxe um artigo que atraiu minha atenção. O texto é de Silas Marti, e a manchete é “Obras do Acaso”. A foto que ilustra o texto mostra uma porção de gente bocejando no mesmo lugar, nas mesmas condições de luz e tempo. São, conforme explica Silas, fotos tiradas em momentos diferentes, que mostram coincidências banais em situações também banais. Mostram, enfim, na rua, um pouquinho do comportamento humano. O texto fez-me lembrar de um fotógrafo nova-iorquino com quem não troquei mais do que meia dúzia de palavras. Em visita a Londres no ano passado, fui conhecer a Abbey Road: famosa rua que ilustra a capa de um dos discos dos Beatles, e que os mostra na faixa de segurança de pedestres atravessando de uma calçada para a outra.
(clique na seta para ouvir)
("Golden Slumbers", Paul McCartney)
Lá chegando, após um curto trajeto de metrô e uma pequena caminhada, o que vi foi uma rua simples, como tantas outras daquela cidade. Simples porém movimentada na faixa de segurança. Repleta de pessoas sorridentes e emocionadas que cruzavam uma, duas, três vezes a rua, iam e vinham na mesma faixa onde John, Ringo, Paul e George foram fotografados para a eternidade. Mas o que havia de comum ali, além da admiração por aquela banda inglesa? Estava "na cara", literalmente na cara: os sorrisos das pessoas! Aproveitando a tendência dos fotógrafos, conforme o artigo que mencionei, o fotógrafo nova-iorquino me disse que ficava ali dias inteiros, observando e fotografando o sorriso das pessoas que cruzavam a rua.
(Faixa de segurança de pedestre em frente aos Estúdios Abbey Road - detalhe: o fotógrafo encostado no poste - arq. pessoal)
Ele estava, pelo seu trabalho, testemunhando o nosso tempo, o nosso comportamento... E disse-me também que havia fotografado o meu sorriso, que esperava que eu não me incomodasse com isso...
(Atravessando a Abbey Road - arq. pessoal)
Eu, claro, ao compreender o que o fotógrafo fazia ali, perguntei a ele - em tom de brincadeira - se eu tinha alguma chance de aparecer em algum trabalho seu junto com uma porção de outros sorrisos desconhecidos e originários de outras partes do mundo... Ao me responder ele também sorriu e me disse que a tarefa de escolher sorrisos seria muito difícil; que passavam por ali sorrisos brilhantes, sorrisos sexagenários, sorrisos adolescentes, sorrisos asiáticos... “Mas”, disse-me ele, “você tem alguma chance...”
(Atravessando Abbey Road - arq. pessoal)
Depois de comentar o assunto com a minha mulher, hoje, no café da manhã, fiquei me perguntando: - “Será que meu sorriso está dependurado em alguma parede de Nova Iorque ou Londres? Será que está encartado em alguma revista, em uma foto junto com uma porção de gente que cruzou a Abbey Road? Ou será que simplesmente foi deletado da máquina do fotógrafo?” Sei lá... o que sei é que foi muito emocionante cruzar aquela rua, naquela faixa, naquele dia...
Obs.: comprei numa lojinha temática (só Beatles) ali por perto alguns marcadores de livro, decalques e pequenos souvenirs para os meus amigos... mas ainda estou esperando um encontro musical com eles para poder comentar o assunto... e presenteá-los.
Outro dia ganhei uma caixinha de som para ouvir as músicas dos meus pen-drives. Adorei o presente. Gostei tanto que, estando em casa, por uma alça, eu a carrego por todos os cômodos.
Domingo passado, na sala, com a caixinha de som pendurada em minha mão, ouvindo "Soon" e preso a questões metafísicas, o meu filho ficou olhando para ela e para mim, como que tentando decifrar o que estava se passando - tanto comigo quanto com o que saia de dentro dela - daquela caixinha.
Naquele momento o que me veio à mente foi a capa do disco "Every good boy deserves favour" (1971), do grupo inglês "The Moody Blues". Nela um ancião segura por um cordão, ao que parece, um pirilampo, ao mesmo tempo em que um garoto tenta entender a origem e o sentido da luz que ele emite.
Foi então que compreendi que a caixinha de som não é somente um aparelho que tem a propriedade de "tocar" pen-drives; mas é, especialmente, um tesouro capaz de executar maravilhas que iluminam o meu espírito e que fazem brilhar os meus olhos. Ela é, na verdade, a fonte de energia do meu pirilampo. E, quando olho para ela, estou certo de que o menino sou eu.
(Capa do disco: FONTE - http://www.musicer.net/karaoke-texty-pisni/moody-blues-the/album-55134-every-good-boy-deserves-favour)
Renato Teixeira, dele, "As coisas que eu gosto" - do disco "Paisagem" (1973)
https://www.youtube.com/watch?v=uFDdebTbemU
No meio da tarde de ontem entrei em uma loja de conveniências de um posto de gasolina. Não queria comprar nada; só queria ficar ali por alguns minutos, à toa. Mas... peguei um suco de laranja na geladeira e, no balcão, um pão de queijo que, cheirando à aconchego, havia acabado de sair do forno. Em seguida fui me sentar à uma das mesas da loja, de onde, enquanto comia, olhava pela janela de vidro o movimento dos automóveis lá fora, ao lado das bombas de gasolina, e a entrada e saída de clientes na loja.
Ao terminar o meu lanche percebi que havia apenas uma moça atendendo ao caixa, e que o número de pessoas que procuravam efetuar o pagamento de suas compras estava aumentando. Como a espera para pagar poderia ser longa, levantei-me e posicionei-me na fila, e fiquei no aguardo de minha vez para ser atendido.
À minha frente havia quatro pessoas: um senhor que usava um óculos de lentes grossas, uma adolescente japonesinha, uma senhora bem alta, e logo à minha frente um senhor de uns 60 anos, que levava sob o braço um pacote contendo latinhas de cerveja. Assim que me postei na fila o telefone celular deste senhor à minha frente soou, e ele passou a emitir sons ininteligíveis que deveriam ser palavras direcionadas à pessoa que o havia chamado. Ao final da ligação dirigiu-se a mim e queixou-se:
- Minha mulher não larga do meu pé! Ela agora passou a implicar com o meu prazer de tomar uma de cerveja antes do jantar.
- Puxa vida, disse-lhe eu, mas de vez em quando uma cervejinha antes do jantar não faz mal a ninguém. É até romântico, cria uma boa cumplicidade - completei. Ela não toma uma com você? Já a convidou?
Posando de malandro, ele passou a me explicar que não se tratava apenas de uma cerveja; mas que a mania dele era de tomar exatamente sete, na semana.
- Bom, disse-lhe eu, sete na semana significa uma por dia... Está tudo de bom tamanho. Não há exagero nisso.
Para que eu entendesse melhor a situação, ele me disse que costumava tomar sete latinhas de cerveja em uma sentada só: e pelo menos em três dias na semana!
Sem saber o que dizer, comentei que aí a dificuldade de se ter a companhia e a cumplicidade da mulher já ficava mais difícil; que podemos exagerar de vez em quando, que Deus compreende e perdoa, mas que é bom que pelo menos tentemos ser moderados.
Com ares de esperto, ou apenas para alongar a conversa, ele me contou que havia ido a uma médica e que ela havia lhe dito, metaforicamente, que as muitas notas promissórias que ele havia emitido estavam começando a chegar. E arrematou:
- Veja só, eu estou com quase 60 anos... e preciso ser feliz!
Dito isso ele foi chamado ao caixa, pagou pela sua compra, olhou para mim e, despedindo-se, arrematou dizendo:
- "O que é do gosto, regalo da vida!"
Chegada a minha vez, fui chamado ao caixa. Mas... antes... pensei rapidamente sobre a breve conversa que havia tido com aquele senhor e, num impulso, cedi ao rapaz que me seguia na fila a vez de ser atendido. Com passos decididos dirigi-me novamente ao balcão da padaria, onde pedi mais uma dúzia de pães de queijo: um para eu comer enquanto aguardava novamente minha vez na fila do caixa, e os outros onze para serem colocados num saquinho e levados para casa... E nem me importei mais com o tamanho da fila ou com o que, de início, poderia me parecer um exagero.