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segunda-feira, 4 de maio de 2020

CONVERSANDO COM O TEMPO*


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Aldir Blanc - "Resposta ao tempo" (Aldir Blanc/Ronaldo Bastos)


"Ele aprisiona, eu liberto;
(...) ele adormece as paixões, eu desperto"
(em "Resposta ao Tempo")


     O homem amadurecido é chamado a dialogar; é preciso tocar em questões difíceis e inevitáveis. Difíceis porque requerem introspecção, envolvem idas e vindas, perdas e ganhos, risos e dores; inevitáveis porque são próprias do amadurecimento.

     O homem amadurecido ouve o interlocutor chamá-lo com austeridade.

     O interlocutor e o homem amadurecido se sentam, calados.

[Morre compositor e escritor Aldir Blanc, vítima de Covid-19]
Aldir Blanc (1946-2020)

     O interlocutor acha graça do silêncio e do jeito sem-jeito do homem amadurecido. O interlocutor nada diz, porém ri e zomba dos sofrimentos, angústias e choros experimentados pelo homem amadurecido.

     Para o interlocutor o esquecimento é fácil, as coisas passam, são apagadas. Mas o homem amadurecido não esquece. A capacidade de não esquecer é, ao mesmo tempo, uma vantagem e uma dor para o homem amadurecido. Diferente das possibilidades do interlocutor, o homem amadurecido  pode reviver. Reviver e sentir. E, sentindo, está sujeito a rir ou chorar.

     O interlocutor cuida de mostrar as folhas de outono contidas no coração do homem amadurecido, e que ditam sua finitude...

     O homem amadurecido relembra amores perdidos. O interlocutor sorri; ele ri dos abandonos sofridos pelo homem amadurecido. O interlocutor sabe passar, esquecer... O homem amadurecido guarda, revê, não consegue, definitivamente, fazer passar, esquecer...

     O interlocutor, incapaz de rever, tem a capacidade de fazer cicatrizar, aprisionar e fazer adormecer a chama da vida; o homem amadurecido, diferente do interlocutor, pode libertar, revisitar, reacender velhas paixões...

     No interlocutor, então, que passa sem sentir, é despertada a vontade de poder amar para também poder reviver... Mas o interlocutor não consegue passar pelas diversas fases pelas quais passou o homem amadurecido. O interlocutor, por ser infinito - e justamente por isso - é uma eterna criança e, como tal, desprovida do privilégio de poder amadurecer... e sentir.


RESPOSTA AO TEMPO
(Aldir Blanc/Ronaldo Bastos)

Batidas na porta da frente, é o tempo
Eu bebo um pouquinho prá ter argumento

Mas fico sem jeito, calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar, e eu não sei

Num dia azul de verão sinto o vento
Há folhas no meu coração, é o tempo.

Recordo um amor que perdi, ele ri
Diz que somos iguais, se eu notei
Pois não sabe ficar, e eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona, eu liberto
Que ele adormece as paixões, eu desperto

E o tempo se rói com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor prá tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

8 de junho de 2016

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*leitura que faço da música "Resposta ao Tempo", de Aldir Blanc e Ronaldo Bastos

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