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domingo, 17 de maio de 2020

NAS TRILHAS DO TAIGUARA


     Taiguara* foi um destacado cantor e compositor brasileiro. Filho de artistas ligados à música, nasceu no Uruguai durante uma temporada de trabalho dos seus pais naquele país. Participou de diversos festivais de música popular, inclusive tendo sido um dos vencedores de "O Brasil canta no Rio" - festival organizado em 1968, pela hoje extinta TV Excelsior, no Rio. Nesse festival interpretou a inesquecível "Modinha", de Sérgio Bittencourt ("Olho a rosa na janela, sonho um sonho pequenino....").


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Taiguara - "Universo no teu corpo"

     Dentre as gravações que foram sucesso em sua voz estão "Helena, Helena, Helena", "Viagem", "Teu sonho não acabou", "Hoje" e muitas outras - esta última, só pra lembrar, está na trilha sonora do filme "Aquarius" (Brasil-França, 2016. Dir. Kleber Mendonça Filho).

     Em 1970 ele lançou o disco "Viagem". "Universo no teu corpo" é uma das canções deste álbum. Naquela época o Brasil vivia seus anos de chumbo. Apesar do clima de fantasioso otimismo no país, nessa canção ele dizia:

"eu desisto, não existe essa manhã que eu perseguia
(...)
Por uns velhos vãos motivos
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor"

     A vida artística do Taiguara não foi nada fácil. Considerado símbolo da resistência durante o período da ditadura militar brasileira, e praticamente impedido, então, de gravar suas músicas, foi obrigado a deixar o país. Exilou-se na Inglaterra. Lá estudou música e gravou um disco com o compositor e produtor musical francês Michel Legrand. No entanto esse disco, "Let the children hear the music", com 12 músicas gravadas, teve onze delas censuradas. Portanto, foi impedido de ir às lojas aqui no Brasil. As fitas da gravação desse álbum musical, nunca lançado, foram perdidas.

     Ao voltar do exílio ele gravou, em 1975, o disco "Imyra, Tayra, Ipy", com Hermeto Paschoal e outros grandes nomes da música brasileira. Pois esse disco foi recolhido das lojas, pela ditadura militar, em 1975, para ser lançado oficialmente, em todo o Brasil, apenas em  2013.

     Depois disso, partiu para um segundo autoexílio na Tanzânia e na Inglaterra.

     Com a abertura política, Taiguara voltou ao Brasil no início dos anos 80, trabalhou como jornalista e ainda gravou dois álbuns: "Canções de amor e liberdade" (1983), e "Brasil Afri" (1994) - ambos trazendo canções fortemente politizadas. Lembro-me de tê-lo visto cantar em dois shows, ambos em Ribeirão Preto, SP: um deles no Teatro de Arena, e o outro na Cava do Bosque. Inesquecíveis!!

     Em sua volta, com a perspectiva de uma "abertura política" naquele início dos anos 80, parodiou "Universo no teu corpo". E cantou:

"eu resisto, já existe essa manhã que eu perseguia
(...)
Nosso velho e bom motivo
São milhões de seres vivos
Num inferno desumano e desigual"
  
Universo No Teu Corpo
(Taiguara)

Eu desisto
Não existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou me sorria
Uma gente que não viva só pra si

Só encontro
Gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nessa vida sem amor que eu aprendi

Por uns velhos vãos motivos
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor

E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso
Não me deixe um só minuto sem amor

Vem comigo
Meu pedaço de universo é no teu corpo
Eu te abraço corpo imerso no teu corpo
E em teus braços se unem versos à canção

Em que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo
Que meu porto, meu destino, meu abrigo

São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos

Vem, vem comigo
Meu pedaço de universo é no teu corpo
Eu te abraço corpo imerso no teu corpo
E em teus braços se unem versos a canção

Em que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo
Que meu porto, meu destino, meu abrigo
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
São teu corpo amante amigo em minhas mãos
Universo no teu corpo (paródia)
(Taiguara)

Eu resisto
Já existe essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me deu trégua e me sorria,
E uma gente que não vive só pra si

Já te encontro
Gente armada
Preparando o teu futuro
Procurando o renascer de um tempo escuro
Pra uma vida só de amor que eu aprendi

Nosso velho e bom motivo
São milhões de seres vivos
Num inferno desumano e desigual,

Pois lutar é nosso ofício
Diz a história, desde o início,
Que a maldade sempre chega ao seu final

Vou contigo
Meu pedaço de Universo é no meu povo
Eu te abraço e sinto perto um mundo novo
Que em teus passos se une em versos pelo chão

Vem que eu sigo
Caminhando entre os poderes e os perigos
Mas meu porto, meu destino, meu abrigo
São meu povo unido com suas próprias mãos…

     Taiguara faleceu em 1996, aos 50 anos de idade.

     Hoje, diante do cenário político desenhado no Brasil, seria bom que surgissem novos Taiguaras. Se ele próprio ainda estivesse por aqui, talvez pudesse nos contar exatamente por onde andou quando esteve na Tanzânia e na Inglaterra, o que viu, o que leu,  que pensou, com quem conviveu e o que conseguiu fortalecê-lo para que ainda pudesse fazer renascer sua vontade de estar mais presente e atuante, apesar dos seus dissabores.

     Pensando bem, olhando para o meu próprio umbigo, talvez fosse pelos mesmos lugares por onde ele passou que eu, politicamente inofensivo, devesse passar. Quem sabe, desse modo, ao retornar, assim como ele, eu seria capaz de levantar minha voz, bater panelas e afirmar, com convicção, que eu também resisto.

     - Mas ando tão descrente... 

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