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quarta-feira, 10 de junho de 2020

ESSAS CASAS ANTIGAS...


("Essas casas antigas..." - foto: arq. pessoal - nov/13)


"A casa não é mais a mesma,
a casa não é mais casa,
é um grande navio que vai singrando o tempo
 que  vai embarcando e desembarcando gente no porto de cada domingo (...)"
(Rubem Braga, em "A casa viaja no tempo") 


CLIQUE NA SETA
("Revendo o passado", 1933, de Freire Júnior - violão: Baden Powell)


     Toda casa guarda em si a lembrança daqueles que nela moraram. Em especial, dos seus primeiros moradores. Duas janelas, um pequeno portão de entrada, um alpendre, um jardim, árvores no quintal... Essa casa antiga, que vi em uma avenida movimentada, foi um dia projetada na mente de seu construtor. E foi erguida para abrigar uma família - que com ela sonhou.

     Duas pequenas aberturas evidenciam a existência de um porão onde residem os segredos da casa. Seu piso muito provavelmente de madeira com tábuas longas - outrora sintecadas -, se ainda mantido, manifesta vidas vividas em suas marcas e estralos... É uma casa alta, com detalhes trabalhados em sua fachada. 

     Em outros tempos, certamente, em uma de suas janelas alguém se debruçava. Ficava olhando brincar as crianças na calçada... E ao vê-las, e ao ouvi-las, pensava no futuro que para elas poderia ser...

     Aos domingos, em cadeiras de descanso, do silêncio do alpendre, sentava-se e deixava a tarde passar. Pensava no que já havia realizado e no que ainda estava por realizar. 

     Nos dias de chuva via do alpendre os barquinhos de papel seguirem o curso de água nas sarjetas... "Quem os teria feito?", perguntava calado. Sonhava com longas viagens que não havia feito, mas que ainda poderiam ser... por seus filhos, porém. Os países do norte, Europa... 

     As árvores do quintal - provavelmente mangueiras... ou parreiras -, a cada ano, davam frutos que eram colhidos com cuidado para serem orgulhosamente distribuídos aos vizinhos. Estes retribuíam o carinho com bolinhos de chuva, suspiros, bom-bocados, doce de figo em calda... e sorrisos sinceros...


Clóvis e Zezé: uvas colhidas em seu quintal - foto postada pelo Clóvis no facebook - jan/14


     Do jardim, as flores enfeitavam o olhar de quem passava pela calçada, assim como também enfeitavam a sala de estar onde a família recebia com café e sequilhos aqueles que os visitavam...

     Hoje transitamos pela avenida movimentada sem tempo ou vontade de olhar tudo o que aquela casa guarda... O senso comum parece ditar que "trata-se de um imóvel velho, acabado, desinteressante, que atrapalha a beleza fabricada pelo progresso..."

     Mas eu sou atraído por ela. Passo pela avenida e não consigo prosseguir sem parar para poder viajar em todos os seus detalhes. Assim, como testemunha do passar do tempo - que a casa é -, eu a vejo como uma antiga caravela ancorada no vasto oceano da cidade que se modifica. Casas assim têm personalidade; têm, nas paredes descascadas, uma história que as faz únicas... Elas guardam, em especial, as memórias da família que a construiu. São diferentes dos espaços frios, empacotados e despersonalizados que têm sido construídos por aí... onde moro eu, onde moramos todos nós, nessas cidades em linha reta vertical, pré-fabricadas, montadas, práticas... sem história, sem beleza, sem jardim, sem vida... e sem um quintal onde se possa plantar uma mangueira...

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